O Globo, n. 32616, 24/11/2022. Economia, p. 15

Projeto possibilita liberar as emendas de relator

Fernanda Trisotto
Natália Portinari


Com cerca de R$ 8 bilhões em verbas do orçamento secreto bloqueadas pelo governo, parlamentares aprovaram nesta quarta-feira, na Comissão Mista de Orçamento (CMO), um projeto que abre a possibilidade de os valores serem pagos ainda neste ano. A medida, contudo, é polêmica e considerada inconstitucional por técnicos e parlamentares.

PLN x “PEC da Transição”

O PLN e a “PEC da Transição” usam meios diferentes para atingir o mesmo objetivo: gastar acima do limite estabelecido pelo teto de gastos. O PLN promove uma alteração pontual, permitindo um gasto maior que o estimado no Orçamento com uma despesa obrigatória, ferindo o teto de gastos. Não há estimativa desse valor.

Já a “PEC da Transição” propõe uma alteração da regra do teto de gastos para retirar o programa Bolsa Família desse guarda-chuva e usaria o instrumento correto para obter uma nova exceção à âncora fiscal. O custo da PEC, conforme a minuta proposta pelo PT, é de R$ 198 bilhões.

Técnicos do Congresso consideram que o PLN não teria o poder de "furar" o teto de gastos. Assim, alguns parlamentares acreditam que a melhor maneira de garantir o pagamento das emendas é incluindo alguns dispositivos para isso na "PEC da Transição". Esta pode ser algumas das condições para a poiar a proposta da equipe de Lula: garantir o desbloqueio de recursos do orçamento secreto, segundo deputados ouvidos pelo GLOBO.

PLN ainda precisa ir ao Congresso

O texto, que ainda precisa passar pelo plenário do Congresso, permite que alguns tipos de despesas específicas fiquem fora do teto de gastos, regra que limita o quanto o governo pode gastar a cada ano. Na prática, a medida vai abrir espaço para que o dinheiro previsto nas emendas de relator seja enviado conforme indicação de parlamentares.

Com a manobra de hoje, será possível , além das regras fiscais, o que permitiria para desbloquear alguns recursos, como os R$ 7,7 bilhões de emendas de relator (RP9). O objetivo é o mesmo que o governo de transição de Luiz Inácio Lula da Silva quer com a "PEC da Transição": a autorização de gastos acima das regras fiscais.

As emendas de relator são a base do orçamento secreto, mecanismo pelo qual o governo de Jair Bolsonaro passou a contemplar deputados e senadores com uma fatia do Orçamento em troca de apoio ao Palácio do Planalto. A partir de 2020, um grupo de parlamentares aliados foi beneficiado com repasses para suas bases eleitorais em valores bem acima do que os demais.

A mudança aprovada hoje prevê tirar do teto despesas consideradas obrigatórias, como o acréscimo nos gastos com a Previdência que vieram após o governo ampliar a concessão de aposentadorias e com a lei Paulo Gustavo, que prevê auxílio ao setor cultural, e que foi obrigada a ser paga esnte ano após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A avaliação de técnicos e de alguns parlamentares é de que essa manobra é uma forma de burlar o teto de gastos e é inconstitucional. Durante a reunião da CMO, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) questionou o projeto por tentar alterar uma regra constitucional como o teto de gastos via projeto de lei:

— É inconstitucional. Vocês estão mudando a LDO de 2022 para fazer uma contabilidade criativa. Estão abrindo várias exceções. Este PLN está afrontando vários quesitos: está flexibilizando regras fiscais, excepcionalizando várias coisas de ajustes de caixa e de competências primárias.

A deputada criticou outro ponto específico, que permite um que despesas obrigatórias como a Previdência que são da competência orçamentária de 2022, possam ser pagas em 2023. Não há estimativa desse montante e é isso que abriria espaço no orçamento atual.

— Isso além de flexibilizar traz também uma insegurança. Não adianta falar para os ministérios não pagar as despesas do ano porque o efeito perverso e colateral é abrir um espaço fiscal para várias outras coisas. Isso é possibilidade de pagamento de emenda de relator e a gente está falando especificamente de compra de apoio. Tem de ser explícito em relação a isso. É a solução errada para problemas que existem — criticou.

O texto ainda ampliou o prazo para o executivo encaminhar projetos para abertura de créditos extraordinários. Isso é necessário para que o Executivo possa ajustar os valores do que ficará fora do teto de gastos.

Técnicos de orçamento ouvidos sob reserva entendem que, na prática, essa manobra vai abrir espaço necessário para desbloqueios do orçamento, o que é necessário para o governo conseguir fechar o ano e que também atende a demandas dos parlamentares, que querem gastar os recursos do orçamento secreto.