O Globo, n. 32616, 24/11/2022. Política, p. 4

Acordo eleitoral

Natália Portinari
Fernanda Trisotto
Bruno Góes


A pouco mais de dois meses para a eleição na Câmara, o atual presidente, Arthur Lira (PP-AL), acumula o apoio de dez partidos à sua reeleição, asfixiando as chances de uma candidatura adversária minimamente competitiva, e já negocia o espaço que cada partido terá a partir da próxima legislatura. Pelo acordo em construção, o PL, dono da maior bancada, ficará com a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), enquanto o União Brasil, que formalizou ontem seu apoio ao deputado do PP, comandará a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A ideia é que as duas siglas troquem de posição a partir do segundo ano de mandato.

Até agora, o presidente da Câmara recebeu o apoio formal ou a sinalização de ao menos dez partidos que, somados, reunirão 328 dos 513 deputados na próxima legislatura. Ele selou aliança ontem com o União Brasil (59 deputados) e já tinha o apoio de PP (47), Republicanos (41), PDT (17), Podemos (12), PSC (6), Patriota (4) e PTB (1). O PL (99) e o PSD (42) ainda não anunciaram adesão formalmente, mas seus dirigentes já deram sinalizações de que vão integrar o bloco.
Na prática, caso o acordo desenhado seja mantido, Lira dará ao maior partido de oposição ao governo Lula o comando da mais importante comissão da Câmara, por onde devem passar todas as propostas em discussão na Casa. O cargo é estratégico porque cabe ao presidente da CCJ o controle da pauta do colegiado, ou seja, determinar o que vai ou não ser votado, com o potencial de atrapalhar o andamento de medidas consideradas relevantes para o Planalto.

 

No caso da CMO, o acordo prevê mantê-la com um nome do União Brasil. Hoje, quem preside a comissão é o deputado Celso Sabino (União-PA). A intenção da sigla é ter a caneta na mão para assinar as chamadas emendas de relator, base do orçamento secreto, previstas em R$ 19 bilhões no ano que vem.

Segundo integrantes das duas siglas, mesmo que o PT venha a também declarar apoio a Lira, o partido vai “chegar atrasado” e terá que se contentar em comandar comissões consideradas menos importantes.

O presidente do União Brasil, Luciano Bivar (PE), chegou a negociar com MDB e PT uma aliança que pudesse fazer frente a Lira, numa tentativa de conquistar mais espaço na Mesa Diretora. Após o fracasso das negociações, a bancada da sigla, liderada por Elmar Nascimento (BA), decidiu se antecipar e declarou ontem o apoio à reeleição de Lira. A deputada eleita Danielle Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, estava presente.

Apesar do alinhamento a Jair Bolsonaro (PL) durante sua gestão, Lira conta com o apoio de boa parte dos petistas, que não querem repetir a experiência que tiveram com Eduardo Cunha, eleito presidente da Câmara contra a vontade do governo e um dos principais atores do impeachment em 2016. Em encontro com o presidente da Câmara em Brasília, Lula disse que dessa vez o governo não vai se intrometer na disputa no Legislativo.

Na bancada petista, o líder Reginaldo Lopes (MG) já abriu a discussão para que a legenda apoie Lira e não arrisque sofrer uma derrota.

A exemplo de Cunha, Lira também comanda o Centrão, bloco que há anos dá as cartas no Congresso e tem como principal característica o fisiologismo, ocupando cargos no governo da vez em troca de apoio no Legislativo.

“E tem outro?”

Além disso, o presidente da Câmara também recebeu sinalização da bancada evangélica, uma das mais numerosas da Casa, que terá seu apoio. O grupo, que apoia o governo Bolsonaro, discute algumas condições para declarar formalmente a adesão.

Ao amarrar tantos apoios em torno de seu nome, Lira repete a estratégia de Rodrigo Maia (na época DEM, hoje PSDB), que se reelegeu em 2019 em uma ampla aliança que uniu do PSL, então partido de Bolsonaro, ao PT.

Um dos poucos partidos que ainda resistem a aderir à candidatura de Lira é o MDB. A “velha guarda” do partido, encabeçada pelo senador Renan Calheiros (AL), tenta costurar uma candidatura própria. Mas integrantes da sigla já veem com descrédito a iniciativa e esperam que, em breve, a legenda também declare adesão ao bloco do atual presidente da Câmara.

Na avaliação de Carlos Lupi, presidente do PDT, com exceção do PSOL, que quer lançar candidatura própria, e de algum segmento mais radical do bolsonarismo, os partidos de centro e até mesmo de esquerda farão parte do bloco do presidente da Câmara.

— Votar no Arthur não é problema, porque a gente sabe que ele honra compromissos e vai ser importante para a governabilidade do Lula. A gente precisa de um presidente da Câmara que, independentemente do posicionamento ideológico, tenha compromissos — afirmou o líder do PDT, André Figueiredo (CE).

Na terça-feira, a presidente do Podemos, deputada Renata Abreu (SP), deu o tom do cenário na Casa após sair de uma reunião com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. Questionada se a legenda apoiaria Lira, respondeu:

— E tem outro candidato?