Valor Econômico, n.
4959, 13/03/2020. Brasil, p. A3
Informal e conta própria
têm renda em xeque
Thais Carrança
Trabalhadores informais e por conta própria podem ser os mais afetados em seus
rendimentos por um eventual agravamento da crise de coronavírus, avaliam
especialistas. A doença chega ao Brasil num momento em que o número de
trabalhadores que não estão protegidos pela legislação trabalhista está em
nível historicamente alto, ainda como resultado da recessão e da lenta retomada
da economia.
Profissionais autônomos
ouvidos pelo Valor temem ficar doentes ou de quarentena, pois seus rendimentos
- já mais baixos do que dos trabalhadores formais - dependem diretamente de
suas vendas e prestação de serviços. Temem também uma redução de demanda, caso
a circulação de pessoas seja limitada.
A situação emergencial
fortalece debate sobre a necessidade de o país criar mecanismos de proteção
social para o contingente de trabalhadores à margem da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), que tende a aumentar, devido à mudança estrutural do mercado de
trabalho em nível global.
Motorista de aplicativo
há quatro anos, Danilo Teixeira de Lima, de 39 anos, já sente os primeiros
efeitos da pandemia de coronavírus no seu cotidiano de trabalho. “Diminuíram
bastante as corridas para o terminal 3 do aeroporto de Guarulhos, para viagens
internacionais”, relata.
Lima conta que, em
situação normal, consegue ganhar R$ 6 mil brutos dirigindo entre dez a 12
horas por dia, que se tornam R$ 3 mil líquidos após pagar o aluguel do carro e
o combustível. “Se tiver que ficar sem trabalhar, seria péssimo, porque minha
única fonte de renda é isso aqui, eu não posso ficar doente”, afirma.
Antes de se tornar
motorista, Lima foi ferramenteiro na fábrica da Mercedes-Benz em São
Bernardo do Campo. Ele conta que, no tempo de empregado, tinha mais segurança
em caso de problemas de saúde. “Tive um problema na vista e fiquei afastado por
três meses, recebi proporcionalmente pelo INSS e depois voltei”, lembra. “Agora
tenho uma hérnia, tenho que operar, mas não posso parar.”
A realidade do motorista
é a de muitos brasileiros, num momento em que os trabalhadores por conta
própria somam 24,6 milhões, ou 3,4 milhões a mais do que em 2014, início da
recessão recente. Esses trabalhadores já representam 26% da população ocupada
brasileira, contra 23% antes da crise. No mesmo intervalo, a participação
dos empregados com carteira entre os ocupados diminuiu de 39% para 36%.
Dos
conta própria, 79% não têm CNPJ,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua,
trabalhando na informalidade. A renda média dos autônomos era de R$ 1.743 em
janeiro, comparado a renda de R$ 2.213 dos empregados com carteira. Já os conta própria sem CNPJ ganhavam em média R$ 1.355.
Em janeiro, a taxa de informalidade do mercado de trabalho brasileiro estava em
40,7%, contra 38,6% em igual mês de 2016, dado mais antigo comparável na série
histórica.
“Houve um crescimento
muito grande dos trabalhadores por conta própria, que estão principalmente no
setor de serviços, onde a interação com pessoas é muito importante”, observa
Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
“Certamente hoje, estamos numa situação mais fragilizada do mercado de
trabalho para a chegada do coronavírus do que há cinco anos”, afirma.
Duque destaca que, numa
situação de grande choque na atividade econômica, os empregados com carteira
não sofrem variação significativa da renda. “Já para os conta
própria, cuja renda depende diretamente da atividade que fazem, o
choque pode ser muito maior e eles também não têm acesso a mecanismos
compensatórios do governo, como INSS ou FGTS”, afirma.
A ambulante Maria Luiza
de Oliveira, de 52 anos, vive há 23 anos essa realidade, tempo que trabalha
vendendo brinquedos nas ruas do centro de São Paulo, depois de ter deixado
a roça no interior do Paraná. Ela conta que, no passado, o trabalho ambulante
dava um bom dinheiro, com o qual ela conseguiu ter sua casa própria. Mas hoje,
o ganho “livre” não chega a R$ 1 mil por mês.
Com o orçamento
apertado, ela diz acompanhar com medo as notícias sobre o coronavírus.
“Tenho muito medo, porque a gente não tem outra renda. Se eu ficar doente, como
vou trabalhar? Como vou sobreviver? Eu dependo daqui”, diz Maria Luiza. “Estou
preocupada, tenho meu álcool gel, trago água para lavar as mãos, mas, mesmo
assim, estou lidando com o público.”
A emergência do
coronavírus assim alimenta o debate sobre mecanismos protetivos públicos
para os trabalhadores que não estão sob o guarda-chuva da legislação
trabalhista. “Isso será uma necessidade, o próximo candidato a presidente que
queira representar os trabalhadores, se não tiver uma proposta para isso, não
vai falar com ninguém”, diz Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul
pelo PT e atualmente advogado trabalhista.
Essa também é a
avaliação de Clemente Ganz Lúcio, técnico do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para o sociólogo, além dessa
agenda de mais longo prazo, o governo deveria adotar medidas emergenciais para
garantir a renda da parcela mais vulnerável da população, como uma
suplementação do Bolsa Família, oferta de crédito e isenção da
contribuição para Microempreendedores Individuais (MEI).
Os especialistas são
unânimes, no entanto, quanto à dificuldade de pautar essa questão na conjuntura
atual. “Nas próximas semanas, podemos ver um choque de renda muito negativo
nessas camadas da população que não têm um amparo social”, diz Duque.
“Esse seria o momento perfeito para pensar nessa nova estrutura, mas isso não
está na cabeça dos atuais governantes. ”