Título: Rio entra no clima do referendo
Autor: Joana Dale
Fonte: Jornal do Brasil, 17/10/2005, Rio, p. A11

Orla e Lagoa Rodrigo de Freitas vivem domingo agitado com manifestações de correntes adversárias do referendo das armas

A uma semana do referendo sobre a comercialização de armas de fogo e munição, os defensores das duas correntes ocuparam espaços de destaque na Zona Sul do Rio ontem para defender suas bandeiras. A Lagoa Rodrigo de Freitas, na altura do Corte de Cantagalo, foi o palco escolhido para os militantes a favor do desarmamento da população divulgarem a sua posição e tentarem uma reviravolta, já que segundo pesquisa do Ibope divulgada na sexta-feira o Sim está com 45% enquanto o Não conquistou 49% dos eleitores. Na praia, o grupo da Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa organizou uma caminhada. Liderados pela família Bolsonaro e pelo movimento do MV-Brasil, os defensores do Não partiram do Arpoador às 10h e foram até o fim do Leblon. Animados pela bateria da Grande Rio, munidos de faixas e uma grande bandeira do Brasil, reuniram cerca de 400 pessoas na passeata.

Na Lagoa, o médico Luis Mir, coordenador da ONG Trauma, organizou uma ato simbólico: 36.091 cruzes de papelão foram espalhadas pelo espelho d'água. A governadora Rosinha Matheus compareceu ao evento ''não como pessoa pública, mas como uma cidadã que já perdeu um irmão vítima de arma de fogo'':

- Uma cruz daquelas é meu irmão André Luiz. Temos que lutar pela vida - declarou a governadora, emocionada.

Por volta de 12h30, Rosinha entrou em um barquinho para soltar 27 pombas brancas no meio da Lagoa, tendo como companhia o médico Luís Mir e o padre Manuel Manangão, da Arquidiocese do Rio. No entanto, apenas duas aves voaram. As outras 25, estressadas depois de ficarem dentro de caixas de papelão, tiveram de ser recolhidas da água pelos bombeiros.

No desembarque, Rosinha Garotinho passou por uma saia-justa. Enquanto dava entrevista, uma mulher começou a criticar o fato de terem ''sujado'' a Lagoa com isopor.

- A campanha do Sim traz poluição. Nós organizamos abraços à Lagoa para a despoluição e a governadora faz essa sujeira - exaltava-se a mulher, que não revelou o nome.

Diante do constrangimento, a governadora interrompeu a coletiva e respondeu à manifestante, dizendo para ela baixar o tom da voz. Rosinha explicou que o Corpo de Bombeiros e a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) iriam fazer a limpeza da Lagoa após o evento, que ainda teve missa ecumênica.

No calor da confusão, Luís Mir disse que os médicos iriam limpar a Lagoa. Segundo ele, foram utilizados na fabricação das cruzes 500 sacos de 200 litros de isopor. O médico contou ainda que todo o material usado será reciclado.

O presidente da Serla, Ícaro Moreno Junior, afirmou que o isopor não é poluente:

- Não vai causar estragos ao ecossistema da Lagoa.

A intervenção na água já tinha revoltado a professora Sônia Ribeiro, de 51 anos. De longe, quando fazia uma trilha com o sobrinho, ela achou que as cruzes eram uma grande espuma branca.

- No referendo, eu voto Sim. O meu Não é para essa violência com a lagoa - reclamou a professora.

O comandante Geral da PM do Estado Rio de Janeiro, coronel Hudson Aguiar, prestigiou o evento mas preferiu manter em sigilo a sua posição.

- Sou contra a utilização de armas, elas só trazem desgraça. A gente tem que falar de vida, não de morte. O problema da violência não depende da PM, mas da indústria de armas. São 15 mil apreendidas por ano no Estado do Rio.