Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Brasil, p. A5

Ciclo recessivo já ronda primeiro semestre

Arícia Martins
Victor Rezende


A possibilidade de que a economia brasileira volte a um ciclo recessivo no primeiro semestre entrou de vez no radar. Esse não é o cenário-base da maior parte de instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor, mas ganhou probabilidade, na medida em que os estragos causados pela crise do coronavírus, ainda em mensuração, se mostram mais severos. O aumento da incerteza política é outro fator negativo. Nesse quadro, já há quem coloque em dúvida a expectativa de que a reação pós-choque no segundo semestre será rápida e expressiva o suficiente para garantir avanço superior a 1% do PIB em 2020.

Mais quatro instituições rebaixaram suas estimativas para o desempenho do PIB brasileiro ontem. Agora, o Credit Suisse espera expansão de 1,4% no ano, ante 2% anteriormente. Na MCM Consultores, a revisão também foi para 1,4%, vindo de 2,3%. O estrategista-chefe do banco Mizuho, Luciano Rostagno, destaca que sua projeção saiu de 2,5% para 1% num intervalo de quatro semanas. Já a SPX Capital informou em carta a clientes que espera alta de apenas 0,9% no período. O número anterior era 2%. Poucos dias antes, a BlackRock, maior gestora do mundo, cortou em 0,5 ponto sua projeção, a 1,5%.

Os economistas Cassiana Fernandez, Cristiano Souza e Vinicius Moreira, do J.P. Morgan, mantiveram a previsão para a alta anual do PIB em 1,6%, mas alertaram em relatório que o Brasil pode não conseguir evitar “flertar com uma recessão” no primeiro semestre. O choque recente provocado pelo novo coronavírus tem afetado mais o mercado brasileiro do que de outros países no momento, aponta a equipe liderada por Cassiana, e o pânico e consequente aperto das condições financeiras por aqui podem ter influência negativa maior sobre o crescimento.

Embora não seja consenso entre analistas que essa dinâmica configure de fato uma crise, a “regra de bolso” define que, ao recuar por dois trimestres seguidos sobre os três meses anteriores, feitos os ajustes sazonais, a economia entra em recessão técnica. E as chances de que o PIB brasileiro caia no primeiro e segundo trimestres subiram bastante, na avaliação de Fabio Ramos, economista do UBS.

Também nesta semana, o banco suíço reduziu a 1,3% a estimativa para o crescimento este ano janeiro a março, e tombo de 1,3% nos três meses seguintes. Entre abril e junho, a atividade sofrerá o efeito defasado do aperto atual das condições financeiras, diz Ramos. E o risco de queda do nível de atividade no primeiro trimestre, ainda que mais modesta, é elevado, uma vez que a projeção para o período já está perto de zero. “Seguindo o critério de recessão técnica, as chances de recessão no primeiro semestre aumentaram muito”, afirma o economista.

Este ainda não é o cenário de maior probabilidade nos modelos de Carlos Thadeu de Freitas Filho, economista-chefe da Ativa Investimentos, mas a possibilidade de duas quedas trimestrais sucessivas ganhou terreno, diz ele, para quem 1,5%

Segundo Freitas Filho, a trajetória do nível de atividade na primeira metade do ano vai depender do grau de contaminação nas expectativas de consumidores e empresários. Por enquanto, ainda não há dados de confiança referentes ao mês de março, quando a crise do covid-19 se acentuou no Brasil.

“Se houver piora da confiança, certamente afetará o investimento”, afirma o economista da Ativa, componente do PIB que já vem sofrendo devido ao ambiente de elevada incerteza econômica e política. Outro impacto de baixa sobre a economia viria no caso de restrições mais duras à circulação de pessoas, o que reduziria o crescimento também pelo lado da oferta, acrescentou.

Economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale acha mais provável que o PIB caia no primeiro trimestre, quando, em seus cálculos, a atividade deve ter crescimento nulo ante o trimestre anterior. Uma retração nos três meses terminados em junho, no entanto, não pode ser totalmente descartada. “Ainda seremos severamente impactados pelo coronavírus nos próximos meses e os EUA tendem a entrar em um segundo trimestre ruim.”

Para Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, mesmo que o PIB mostre alguma alta nos primeiros três meses do ano, a “sensação térmica” será muito ruim. “A possibilidade de flertarmos com uma recessão não é desprezível”, diz Oliveira. Em sua visão, o Brasil tem sido mais afetado pela crise global porque o choque atingiu o país num momento delicado, em que a agenda de reformas caminha lentamente. “E no segundo semestre boa parte da política estará focada nas eleições municipais.”

O que mais preocupa Ramos, do UBS, é que a hipótese de retomada em “V” no segundo semestre não se confirme. “Se a reação for mais devagar, aí poderemos ter uma recessão genuína.”