Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Política, p. A7

Governo vai à Justiça, mas aceita acordo para ampliar BPC
Vandson Lima
Renan Truffi
Lu Aiko Otta
Mariana Ribeiro 


Apesar de acionar a Justiça para barrar a ampliação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), possibilitada após o Congresso derrubar veto do presidente Jair Bolsonaro, o governo tentará um acordo com o Legislativo, aumentando de maneira controlada o número de pessoas que passarão a ter direito ao benefício.

Ao Valor, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) revelou que a ideia seria elevar para cerca de 1/3 do salário mínimo (R$ 348,33) o limite de renda familiar para concessão do BPC.

O projeto que havia sido vetado e o Congresso reativou amplia do atual 1/4 de salário (R$ 261,25) para metade do salário mínimo (R$ 522,50) este limite de renda dos beneficiados. Segundo a equipe econômica, o impacto sobre as contas públicas da ampliação do BPC seria de R$ 217 bilhões em 10 anos, sendo R$ 20 bilhões já este ano.

Na quarta-feira, o Congresso derrubou o veto de Bolsonaro como forma de passar uma mensagem em meio à disputa pelo controle do Orçamento e as declarações do presidente em favor de manifestações populares contra o Parlamento e o STF.

Por isso, o governo ontem acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal de Contas da União (TCU) para que seja mantida a decisão do presidente e desfeita a derrubada do veto pelo Congresso. “Nós vamos ao Supremo, nós vamos ao TCU. Já há casos prévios argumentando pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Você não pode criar R$ 20 bilhões de despesa sem dizer de onde vêm os recursos”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao chegar ontem ao Ministério da Economia. “Não temos capacidade de executar algo que seria ilegal”.

Secretário do Tesouro, Mansueto Almeida esclareceu que a possibilidade era de usar um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) para barrar os impactos fiscais pelo menos neste ano da derrubada do veto. “Algo aparecido aconteceu em 2018, com a queda de um veto de renegociação de dívida agrícola”, disse. Naquele ano, os congressistas reverteram um veto do então presidente Michel Temer sobre a eliminação do passivo do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), estimado em cerca de R$ 17 bilhões. O governo saiu vitorioso.

O acórdão em que se baseia o governo proíbe um aumento de despesas no ano corrente sem um respectivo aumento de receitas. “O próprio acórdão de 2018 já nos dá segurança”, explicou Mansueto. “Para o próximo ano a gente vai ver ainda o que fazer. Se consegue algo alternativo com o Congresso ou na elaboração do orçamento cortar despesas”. É neste ponto que entra o acordo costurado por Bezerra, buscando evitar que, contrariado, o Congresso se rebele contra outras decisões do governo

Guedes destacou que, se houver espaço fiscal no Orçamento deste ano, ele será usado justamente para remanejar recursos para medidas emergenciais na área da saúde, por conta da pandemia do coronavírus. Colocou ainda que a decisão do Legislativo compromete a perspectiva de retomada do crescimento. “Todo o exercício de estabilização que estamos conduzindo para a economia começar a retomar o crescimento econômico, daqui a pouco nós vamos conseguir fazer algo que estava completamente fora do script. Nós mesmos vamos derrubar o nosso avião, que está começando a decolar”.

As declarações foram feitas no dia em que as operações da bolsa foram interrompidas duas vezes devido à forte queda e o dólar chegou a bater R$ 5. Questionado sobre a declaração na semana passada de que se fizesse “muita besteira” a moeda poderia chegar a esse patamar, Guedes respondeu que não se referia apenas a suas ações, mas do governo como um todo, dos outros Poderes e da sociedade.

“Não disse besteira só do ministro”, afirmou, completando que se referia “a todos nós, Congresso, Senado, Câmara, Presidência, ministros e opinião pública informada pela mídia”. “Todos somos responsáveis”.

Apesar da crítica, Guedes reforçou que a incerteza atual no cenário econômico exige “um bom entendimento entre os Poderes”. Para ele, apesar de legítima, a disputa em torno do Orçamento impositivo “se exacerbou um pouco”.