Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Política, p. A6

Para Lavareda, efeito da crise é apaziguador na política

Cristian Klein


A proliferação do coronavírus terá um efeito “devastador” sobre a economia brasileira, mas, na política, o impacto da epidemia sobre o clima tenso que está regendo a relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o Congresso será “apaziguador”. A avaliação é do cientista político e sociólogo Antônio Lavareda, dono do instituto de pesquisa Ipespe, para quem a mobilização da sociedade contra a disseminação do vírus tende a criar um “conceito de união” que reduzirá a beligerância entre o Executivo e o Legislativo.

Uma primeira amostra seria a mudança de comportamento do próprio Bolsonaro, ao vir a público e pedir a seus apoiadores que não compareçam aos atos pró-governo convocados para domingo. “Ele foi alcançado pelo choque de realidade, tanto pela queda da bolsa quanto pela atitude de uma figura que sabemos ser referência para ele, que é o Trump”, afirma Lavareda, mencionando que o presidente americano também era criticado por minimizar os riscos do coronavírus, mas “acordou e reagiu fortemente”.

Em um ambiente como esse, argumenta, a política e a ideologia “atrapalham e não têm utilidade” diante da necessidade de se derrotar um inimigo comum. “Numa hora em que se abate uma epidemia como essa, a união é mais do que nunca oportuna, e deve favorecer a cooperação entre os níveis de governo federal, estadual e municipal. É como se fosse uma guerra contra o danado de um vírus coroado que está nos atacando”, diz.

A tensão entre Bolsonaro e o Congresso chegou a nível inédito esta semana com a derrubada de veto presidencial cujo efeito será o de ampliar o acesso da população mais pobre ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), ao custo anual de R$ 20 bilhões. Com a propagação da epidemia no Brasil, contudo, novas pautas-bombas contra Bolsonaro serão menos prováveis, afirma o cientista político: “Não há espaço para nenhuma força política tensionar o ambiente”.

De um lado, a ala ideológica bolsonarista rendeu-se “ao óbvio”, reconhecendo que as manifestações eram “totalmente sem sentido”, dada a recomendação de se evitar aglomerações, afirma o sociólogo. De outro lado, o Congresso não partirá para mais ataques ao Executivo - sobretudo com ameaça de impeachment - porque, segundo Lavareda, os atos sequer eram fator primordial para se medir o tamanho de Bolsonaro. “Seria um termômetro, mas há outros”, diz. O analista lembra que a taxa de aprovação do presidente, entre 44% e 47%, ainda é maior do que os 39,4% de votos, sobre o total da população, que Bolsonaro recebeu no segundo turno.

Quanto à economia, Lavareda acredita que o estrago provocado pelo coronavírus possa levar os políticos à conclusão de que o melhor antídoto para a crise não são apenas as reformas, mas também medidas que ajudem alguns setores vulneráveis, como já propuseram Trump e líderes europeus.