O Globo, n. 32621, 29/11/2022. Saúde, p. 21

Um ano de ômicron

Carl Zimmer


Em 26 de novembro de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que uma nova variante preocupante do coronavírus, batizada de Ômicron, havia sido descoberta no sul da África. Logo ela dominou o mundo, causando um aumento recorde de casos.

Agora, um ano depois, a Ômicron mantém biólogos batalhando para acompanhar suas surpreendentes mudanças evolutivas. A variante ganha mutações rapidamente. Mas, em vez de uma única linhagem, ela explodiu em centenas, cada uma com resistência às nossas defesas imunológicas e seu próprio nome alfanumérico, como XBB, BQ.1.1 e CH.1.

— É difícil lembrar o que é o quê — diz Jesse Bloom, especialista em vírus do Fred Hutchinson Cancer Center, em Seattle, nos EUA.

Mas, a menos que surja alguma variante radicalmente diferente, imagina Bloom, essa confusão de subvariantes persistirá, tornando mais desafiador para os cientistas planejar novas vacinas e tratamentos.

— Vai ser sempre como agora: uma sopa de novas variantes por aí — alerta.

Quando a Ômicron surgiu, em novembro de 2021, ela carregava mais de 50 mutações que a diferenciavam de outras variantes do coronavírus. Muitos pesquisadores defendem a ideia de que ela surgiu em uma única pessoa, talvez com o sistema imunológico comprometido, em um caso de Covid longa que teria durado meses.

No mês passado, no entanto, uma equipe de cientistas da Universidade de Minnesota sugeriu que uma forma inicial do coronavírus havia infectado camundongos. Segundo essa teoria, ela teria evoluído para Ômicron nos roedores e depois infectado humanos novamente.

Mutações

Independentemente de como surgiu, a Ômicron passou a ser dominante semanas após sua descoberta por causa de suas mutações. Algumas permitiram que o vírus entrasse nas células com mais sucesso. Outras conseguiram driblar anticorpos de vacinas ou infecções anteriores.

A maioria dos anticorpos adere às proteínas spike na superfície dos coronavírus, impedindo-os de entrar em nossas células. No entanto, algumas das mutações da Ômicron mudaram partes da proteína para que nem anticorpos mais potentes pudessem aderir a ela.

À medida que a Ômicron se multiplica, ela continua a sofrer mutações. Nos primeiros meses, elas se substituíram uma a uma, como uma série de ondas quebrando na praia. A primeira versão, BA.1, foi substituída por BA.2, depois BA.5, todas escapando aos anticorpos produzidos nas infecções anteriores da própria variante.

Mas, em fevereiro, Theodora Hatziioannou, especialista em vírus da Rockefeller University em Nova York, e seus colegas realizaram um experimento que sugeria que a Ômicron estava pronta para uma sofrer uma explosão evolutiva.

A equipe testou a Ômicron contra 40 anticorpos diferentes que ainda poderiam bloquear a variante. Os cientistas descobriram que era extremamente fácil, com algumas mutações extras, torná-la resistente a quase todos eles.

Surpreendentemente, quando os pesquisadores adicionaram essas mesmas mutações à proteína spike da versão original do coronavírus, não houve efeito na resistência aos anticorpos. Hatziioannou suspeita que o grande número de novas mutações na Ômicron mudou o cenário evolutivo, tornando muito mais fácil evoluir e ganhar resistência.

— Ficamos realmente preocupados quando vimos isso — disse Hatziioannou.

Nos meses seguintes, a Ômicron fez jus às preocupações. Graças ao grande número de infecções pela variante, o vírus teve mais oportunidades de sofrer mutações. E ganhou algumas das mutações preocupantes que a cientista havia identificado.

As novas mutações continuam se acumulando rapidamente, provavelmente porque oferecem aos vírus uma grande vantagem evolutiva. No primeiro ano da pandemia, a maioria das pessoas infectadas não tinha anticorpos para a Covid-19. Agora, a maioria tem. Assim, os vírus que têm resistência extra aos anticorpos superam facilmente os que não a possuem.

— A evolução que está acontecendo é a mais rápida até agora — analisa Sergei Pond, especialista em vírus da Temple University, na Filadélfia.

Sublinhagens

No entanto, não é apenas uma sublinhagem que está ganhando todas as novas mutações. Ben Murrell, biólogo computacional do Instituto Karolinska, em Estocolmo, e seus colegas estão rastreando mais de 180 subvariantes da Ômicron que sofreram mutações de forma independente, fazendo com que se disseminem mais rápido que BA.5.

Essas subvariantes estão passando por um processo que Charles Darwin reconheceu há cerca de 160 anos, chamado convergência. Darwin observou como pássaros e morcegos desenvolveram asas de forma independente que funcionam da mesma maneira. Hoje, as subvariantes da Ômicron estão, separadamente, escapando dos mesmos anticorpos com mutações nos mesmos pontos.

A competição que ocorre no universo de subvariantes pode estar impedindo que uma delas assuma o controle, pelo menos por enquanto. Nos Estados Unidos, a BA.5, outrora dominante, agora responde por apenas 19% dos novos casos. Sua descendente BQ.1 subiu para 28%. E a B.Q.1.1, descendente da B.Q.1, é a causa de 29%. Treze outras subvariantes Ômicron compõem o resto.

No Brasil, a BQ.1 já representa 18% dos casos, segundo dados o projeto Genov, que analisa amostras coletadas nos laboratórios da rede Dasa. A prevalência nacional continua a ser da BA.5, que responde por 60% dos casos, mas está em queda. Há ainda 10% de diagnósticos associados à BA.4. Cerca de outros 10% são sublinhagens variadas.

Em outros lugares, outras subvariantes estão ganhando destaque. Cingapura, por exemplo, experimentou uma onda de XBB, um híbrido de duas subvariantes diferentes de BA.2. Mas a XBB é rara na maioria das outras partes do mundo.

— Isso tem a ver com qual semeou a região primeiro — diz Thomas Peacock, especialista em vírus do Imperial College London.

À medida que cada linhagem ganha mais mutações, menos tipos de anticorpos agem contra elas. No mês passado, Yunlong Cao, bioquímico da Universidade de Pequim, e seus colegas relataram que a XBB e três outras subvariantes se tornaram totalmente resistentes aos anticorpos em amostras de sangue de pessoas que foram vacinadas ou tiveram infecções.

Isso ameaça os anticorpos monoclonais, tratamentos que vêm sendo usados por pessoas com sistema imunológico comprometido para impedir que sejam infectadas. Mas à medida que as subvariantes resistentes se tornam mais comuns, esses tratamentos não funcionarão mais.

— Será muito importante projetar outra geração de coquetéis de anticorpos que, esperamos, durem mais — avalia Bloom, do Fred Hutchinson Cancer Center.

O reforço com a vacina bivalente produz proteínas spike tanto da versão original do vírus quanto da BA.5. Estudos em pessoas que receberam essas doses mostram que seus anticorpos são melhores para neutralizar BQ.1.1 e outras novas subvariantes do que os anticorpos produzidos pela vacina original. Mesmo assim, as subvariantes podem evitar muitos dos anticorpos bivalentes.

Felizmente, as novas subvariantes não parecem mais mortais do que as formas anteriores da Ômicron. Apesar de sua crescente capacidade de evitar anticorpos, elas provavelmente não serão capazes de escapar completamente da imunidade de vacinas ou infecções anteriores.