Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Finanças, p. C1

Tesouro e BC fazem intervenção sem precedentes

Victor Rezende
Marcelo Osakabe
Lucas Hirata


A nova rodada de pânico no mercado, intensificada agora pela deterioração nas perspectivas fiscais do país, forçou uma reação sem precedentes para um dia só do Tesouro Nacional e do Banco Central em uma tentativa de trazer alguma normalidade para os negócios. Para se ter uma ideia da turbulência no pregão de ontem, o dólar superou a marca de R$ 5 logo nos primeiros minutos da sessão, enquanto os juros futuros saltaram na abertura para seus limites de alta, o que travou os negócios durante boa parte do dia.

Foi só depois de quatro intervenções do Banco Central, com venda de dólares no mercado à vista, e de um certo alívio lá fora com uma injeção gigantesca de capital pelo Federal Reserve nos Estados Unidos que os investidores encontram espaço para tirar parte da pressão do câmbio. Com isso, a moeda americana fechou em alta de 1,41%, aos R$ 4,7882, depois de tocar R$ 5,0277 no momento de maior nervosismo da sessão.

Já no mercado de juros, a tensão foi tamanha que o Tesouro Nacional lançou mão de um programa de compra e venda de títulos públicos, uma ação coordenada com o BC, “em razão das condições vigentes no mercado financeiro”. A iniciativa serve tanto para dar “saída” aos investidores que querem corrigir suas posições no mercado como para trazer alguma referência de preços aos ativos em meio ao pânico.

O principal fator que detonou a disparada das taxas futuras, forçando também a atuação do Tesouro, foi a decisão do Congresso de flexibilizar uma das regras da nova Previdência. A correção no mercado foi brutal e não parece ter sido esgotada. Tanto é que a B3 teve de ampliar o limite de alta das taxas durante o pregão. A taxa do DI para janeiro de 2025 subiu de 6,89% no ajuste anterior para a 8,51% na máxima do dia e fechou em 7,78%

Diante dessa turbulência, o Tesouro Nacional fez ontem a maior atuação da história em um único dia, de acordo com dados da Renascença. Ao todo, as operações resultaram em uma recompra líquida equivalente a R$ 11 bilhões em títulos públicos - em termos financeiros, isso significou quase metade de tudo o que foi feito entre maio e junho de 2018. E diferentemente de outras ocasiões, a operação começou com compra e venda de papéis atrelados à inflação (NTN-B) e, depois, partiu para títulos com taxas prefixadas (LTN e NTN-F).

Até então, o mercado de juros era considerado o mais resiliente e servia, inclusive, para estratégias defensivas quando o dólar disparava e a bolsa derretia. “É o mercado que víamos mais protegido com fiscal e inflação ancorados e, agora, existe uma discussão sobre o futuro das reformas”, nota o chefe de estruturação e vendas de derivativos do Bank of America (BofA), Nuno Martins.

A surpresa com a decisão do Congresso de derrubar o veto presidencial sobre uma regra que aumentava o limite para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC) levantou dúvidas sobre as perspectivas fiscais no país, algo que vinha ancorando as expectativas para o cenário de inflação controlada e juro baixo. O risco-país do Brasil deu um salto d 58% em relação à véspera, em um movimento mais intenso que dos pares emergentes. O spread do contrato de 5 anos do CDS operava ontem em 356 pontos, segundo dados compilados pela Markit.

O economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski, afirma que o mercado de juros vinha subestimando os riscos fiscais. “A reforma da Previdência é necessária para evitar uma trajetória explosiva da dívida, mas não é suficiente para tirar o risco fiscal. Ainda precisamos de outras medidas que possam levar à redução dos gastos obrigatórios, por exemplo. Tudo isso é necessário. Acho que os prêmios de risco não refletiam isso, talvez, na crença de que as reformas estavam a caminho e seriam aprofundadas”, afirma.

Além disso, o surgimento do risco local pegou o mercado em um momento de turbulência internacional devido à disseminação do novo coronavírus, que já afeta de forma mais expressiva as expectativas para o crescimento econômico no Brasil este ano.

O banco Mizuho foi uma das casas a revisar suas projeções e, agora, espera que o Produto Interno Bruto (PIB) exiba expansão de apenas 1% este ano, enquanto a taxa básica de juros seria mantida inalterada pelo Banco Central em 4,25%. “Cortar o juro agora adicionaria volatilidade e, assim, acreditamos que o BC não irá seguir a sua sinalização da semana passada e voltará atrás, mantendo o juro inalterado”, diz o estra chefe da casa, Luciano Rostagno.

Além do Mizuho, a SPX também passou a projetar um crescimento de apenas 0,9%, enquanto os economistas do J.P. Morgan disseram, em relatório, que a economia brasileira está “flertando com uma recessão” no primeiro semestre.

“Estamos em uma fase muito difícil, em que a dinâmica é de crise e, pela característica da pandemia ou pela falta de guidance dos tomadores de decisão, o pânico tomou conta dos negócios aqui e lá fora”, diz o economista-chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal. “Não há um plano e estamos apenas com o modo de reação ligado. Essa desorganização do governo já tem repercussões no Congresso com o BPC e precisamos ver como a política em Brasília vai se organizar para atacar o coronavírus e voltar as atenções à agenda econômica”, afirma Rosal. Para ele, assim, os reguladores estão agindo atrás da curva e, até o momento, estão sendo incapazes de tirar os mercados do modo pânico.

Já Nuno Martins, do BofA, defende que as atuações têm sido eficientes nos últimos dias, mas nem o BC nem o Tesouro devem baixar a guarda tão cedo. “O que temos visto aqui é que nem o investidor estrangeiro nem o local surgem como compradores marginais de risco até aqui, e o mercado está todo numa ponta só. Por isso, é um momento em que o BC e o Tesouro precisam se fazer presentes para manter o mercado funcionando, e eles têm feito isso”, explica o profissional.