Correio Braziliense, n. 21759, 13/10/2022. Política, p. 2

D. Orlando: país precisa vencer “dragão do ódio”

Henrique Lessa
Pedro Grigori


Em busca do voto religioso, o presidente Jair Bolsonaro mirou, ontem, católicos e evangélicos. O candidato à reeleição pelo PL celebrou o Dia de Nossa Senhora Aparecida e inaugurou um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, em Belo Horizonte. Entre aplausos e vaias, a participação do chefe do Executivo nos eventos no Santuário Nacional, em Aparecida (SP), foi alvo de recados de autoridades da Igreja Católica.

“Não posso julgar as pessoas, mas nós precisamos ter uma identidade religiosa. Ou somos evangélicos ou somos católicos. Então, nós precisamos ser fiéis à nossa identidade católica. Mas, seja qual for a intenção, (Bolsonaro) vai ser bem recebido, pois é o nosso presidente”, afirmou o arcebispo d. Orlando Brandes, ao ser questionado sobre eventual uso político-eleitoral da festividade.

A declaração foi dada antes de o chefe do Executivo chegar a Aparecida. Mais cedo, durante uma homilia, d. Orlando afirmou que o país precisa vencer o “dragão do ódio, que faz tanto mal, e o dragão da mentira, que não é de Deus, é do maligno”. O líder católico ressaltou que o Brasil enfrenta “o dragão do desemprego e da fome”.

Durante a pregação, quando d. Orlando falou de fome, parte do público, apoiadores do presidente, que acompanhava do lado de fora da basílica, vaiou o líder religioso.

No ano passado, d. Orlando já tinha usado a alegoria do “dragão” para criticar o avanço de ideologias sobre a igreja. Na ocasião, sem citar Bolsonaro, disse que o Brasil não é “pátria armada”.

Na missa de ontem, o arcebispo incentivou os fiéis a comparecem às urnas. “Cidadania que vamos vivendo também votando. É necessário exercer esse direito e poder do povo”, frisou.

Na terça-feira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em nota, lamentou o uso da religião como forma de angariar votos no segundo turno.

Bolsonaro chegou a Aparecida por volta das 13h30, acompanhado do candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Na comitiva estavam o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, além dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Bia Kicis (PL-SP), e o ex-ministro da Cidadania João Roma (PL).

Em uma das entradas do Santuário, centenas de pessoas aguardavam o presidente. Havia bandeiras e distribuição de adesivos com o número de urna do chefe do Executivo e de Tarcísio.

Um dos padres auxiliares no altar abriu a batina rapidamente e mostrou uma camisa do Brasil por baixo. Depois, foi cumprimentar o presidente. Houve pedidos de silêncio no templo. Mais tarde, em outra pregação, um sacerdote disse que “hoje (ontem) não é dia de pedir voto, hoje é dia de pedir bênção”.

 

Tumulto

Durante a visita de Bolsonaro, apoiadores do presidente causaram tumulto no Santuário. Eleitores do chefe do Executivo agrediram jornalistas e vaiaram o padre que celebrava a missa em homenagem a Nossa Senhora Aparecida.

Equipes da TV Vanguarda, afiliada da TV Globo, e da TV Aparecida, emissora da Igreja Católica, foram hostilizadas no pátio da Basílica quando faziam a cobertura do evento.

Bolsonaristas gritaram com os funcionários da TV Aparecida e colocaram o dedo no rosto do jornalista e do cinegrafista. Outros apoiadores do presidente entoavam o coro “é Bolsonaro”.

A confusão se estendeu para dentro do Santuário, onde o padre Eduardo Ribeiro celebrava missa. Seguidores do presidente interromperam o ato com vaias e palavras de ordem e tentaram puxar o coro de “mito”, que não teve adesão. O padre pediu silêncio e rogou aos fiéis que preparassem o “coração, viemos aqui para rezar”. O tumulto foi um dos assuntos mais comentados no Twitter ontem.

Em outra frente, a realização de um ato paralelo, com a reza do terço, organizada por grupos de católicos ultraconservadores e convocada nas redes sociais pela atriz Cássia Kis, acabou não contando com a esperada presença do presidente.

A Arquidiocese de Aparecida se desvinculou do ato, conforme destacou em nota oficial: “Na agenda de Jair Bolsonaro consta a participação em um terço que será rezado na cidade de Aparecida. Assim, reforçamos que essa atividade não é celebrada pelo Santuário Nacional nem está sob a supervisão do arcebispo de Aparecida. A iniciativa é de um grupo independente, que não tem relação com o Santuário Nacional nem com a Programação da Novena da Padroeira”.

 

 “Milagre”

De manhã, em Belo Horizonte, Bolsonaro participou da inauguração de um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, do pastor Valdemiro Santiago, aliado de primeira hora do presidente. Ao lado do governador reeleito, Romeu Zema (Novo), o chefe do Executivo acompanhou a oração de Santiago em um trio elétrico, parado do lado de fora do templo, com uma multidão de fiéis vestindo a camisa da Seleção Brasileira.

Depois da oração, Santiago questionou o público sobre milagres de cura. Fiéis relataram terem se recuperado de câncer e um paralítico disse ter voltado a andar. Uma cadeira de rodas foi erguida no meio da aglomeração.

No discurso, Bolsonaro falou em liberdade. “É um país abençoado, que vive em liberdade. Nós, além das questões materiais, temos as questões espirituais. Aqui, somos 90% de cristãos, mas respeitamos todas as religiões, bem como aqueles que não têm religião. Respeitamos a liberdade do nosso povo”, frisou.

Ele voltou a defender a pauta de costumes e acusou o “outro candidato” de ser defensor do aborto e da legalização das drogas. (Com Agência Estado)