Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Finanças, p. C5

Bancos defendem redução de compulsório se crise piorar

Talita Moreira
Flávia Furlan 


A crise do coronavírus pega o sistema bancário brasileiro capitalizado e bem mais líquido do que se encontrava após a quebra do Lehman Brothers em 2008 - cenário que afasta a necessidade de medidas emergenciais para resgatar instituições financeiras. Mas executivos de bancos já defendem uma nova redução de compulsórios para dar fôlego extra ao setor e mitigar uma alta nos spreads.

Ao mesmo tempo, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, afirmou ontem ao Valor que está disposto a adquirir carteiras de crédito de bancos médios caso a turbulência se prolongue - outra medida que poderá irrigar essas instituições, cujo funding é mais restrito e mais caro.

Muitos bancos de médio porte operam com empréstimos consignados, uma modalidade na qual a Caixa tem interesse em crescer. “Estou aberto, se houver qualquer questão em algum segmento, a comprar carteiras.”

A avaliação nos bancos é a de que, por enquanto, a situação não preocupa, segundo executivos ouvidos pelo Valor sob a condição de não ser identificados. O que pode mudar essa percepção é um cenário de crise duradoura e que jogue a economia para baixo.

É nesse contexto que alguns interlocutores começam a defender uma nova revisão dos compulsórios, apesar de o Banco Central (BC) já ter feito um movimento de liberação nos depósitos obrigatórios que injetará R$ 135 bilhões no sistema a partir deste mês. Um corte mais significativo nos compulsórios é um pedido recorrente dos bancos e está na agenda do órgão regulador, mas a defesa ganhou uma motivação extra agora.

“Seria positivo porque derrubaria os preços no mercado sem haver necessidade de redução da taxa Selic”, afirma um graduado executivo de um grande banco.

Outro interlocutor também defende um corte nos compulsórios, e não no juro, para colocar mais liquidez no mercado. Para esse executivo, o impacto da crise do coronavírus na economia e no mercado financeiro está sendo amplificado pela falta de uma ação organizada do Executivo e do BC. “O sistema está saneado, mas o risco aumentou nos últimos dias”, ressalta.

O setor bancário como um todo passou por uma depuração desde a crise financeira global de 12 anos atrás - desde então, houve reestruturações, consolidação e alguns bancos simplesmente saíram de cena, como o Santos e o BVA. Esse processo foi reforçado nos últimos cinco anos, quando o Brasil atravessou sua pior crise econômica.

O índice de liquidez - que relaciona ativos líquidos dos bancos com desembolsos estimados em cenário de estresse - saltou de 1,5 em outubro de 2008 para 2,5 junho de 2019, dado mais recente disponível. Da mesma forma, indicadores coletados pelo BC mostram que as instituições financeiras continuam pouco alavancadas, apesar da retomada do crédito.

“O sistema está sólido e pouco alavancado. Alguns bancos estão sem resultado [positivo], mas não têm problemas de liquidez”, afirma um executivo próximo a uma instituição de médio porte.

No entanto, para outro alto executivo do setor, é preciso que se olhe com atenção para os bancos médios, pois não têm a mesma base de captação que os rivais de grande porte. Estão sujeitos a uma pressão maior nos custos.

Os bancos pequenos e médios vêm, há anos, num processo de diversificação de funding. Com a ascensão das plataformas de investimentos, passaram a atrair depósitos de pessoas físicas. Porém, essas instituições já vinham enfrentando a migração dos investidores da renda fixa para a renda variável. Agora, a aversão ao risco pode favorecer novamente papéis mais tradicionais, como os bancários, mas não está claro a que custo.

Em paralelo, o fechamento do mercado de capitais nos últimos dias já levou bancos que estavam com IPOs engatilhados a adiar os planos. São os casos do BV e do Daycoval, que pretendiam fazer ofertas de ações em abril, levantando um total de R$ 8,5 bilhões.

“A crise atrasa os planos de investimentos dos bancos médios em digitalização e compra de empresas”, diz Guilherme Vitolo, diretor da Roland Berger. Para o consultor, o setor bancário vai retomar os negócios à medida que o ambiente se estabilizar, mas o crescimento do PIB é um ponto de atenção, já que a desaceleração tende a afetar a demanda.

Um executivo do setor afirma que um efeito da crise será uma alta no spread de crédito a médias e grandes empresas, que caiu consideravelmente nos últimos anos. “O risco aumentou e o mercado de capitais está fechado.”

Outro executivo diz que as medidas de estímulo adotadas por bancos públicos devem se concentrar, por ora, nos clientes pessoas jurídicas. A ideia é que sejam liberadas linhas emergenciais para empresas que tiverem queda de vendas e dificuldade de honrar compromissos financeiros. Porém, a situação vem sendo monitorada para detectar se há necessidade também de liberação de recursos para pessoas físicas.

Segundo esse interlocutor, os bancos já esperam que os efeitos do coronavírus sejam sentidos na concessão de crédito e transações com cartões, resultante da restrição de acesso a estabelecimentos comerciais, cancelamento de grandes eventos e viagens. “Essas restrições reduzem os fluxos de pagamentos e de crédito”, diz. “Em duas semanas, esse impacto deve estar mais claro.”