O Globo, n. 32562, 01/10/2022. Política, p. 6

Mulher quer votar em mulher, mas teme der­rota

Ana Flávia Pilar
Jéssica Marques


Cerca de 30% das mulheres acreditam que os homens são mais preparados para a política. A maioria delas, no entanto, entende que há baixa representação feminina e que elas merecem mais espaço em cargos decisórios. Ao mesmo tempo, a intenção encontra obstáculos na busca pelo chamado “voto útil”, e mais da metade das entrevistadas quer votar em mulheres, mas não acredita que elas tenham chance de vencer. Os dados são de um levantamento inédito feito pelo Instituto Locomotiva, a pedido do GLOBO, e também mostram que metade das entrevistadas diz ser possível escolher senadoras e deputadas nas eleições, mas considera mais difícil o voto em mulheres para o governo ou a Presidência. A maioria esmagadora do grupo feminino (80%) não vê diferença entre votar em homem ou mulher nas eleições; dizem que o que importa são as propostas. Pesquisadores ouvidos pela reportagem consideram o resultado do levantamento um reflexo do cenário político nacional, muito hostil às mulheres, e destacam como principal ponto positivo o fato de que o público feminino não está rejeitando as candidatas. As mulheres, avaliam eles, apenas buscam estratégias viáveis na hora de escolher o voto, priorizando agendas econômicas e políticas concretas.

Prova disso é que 54% desse eleitorado afirmam que gostariam de votar em outras mulheres, mas não acredita que as candidatas podem ganhar. Ou seja, não se trata apenas do conceito “mulher não vota em mulher”, mas de obstáculos com campanhas de baixo financiamento e pouco tempo de exposição feminina na televisão. Professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Flávia Biroli explica que o contexto de representação política está focado na identidade masculina. Por isso, homens têm vantagem em ocupar espaços no legislativo e executivo.

No período anterior ao decreto que consolidou o direito ao voto feminino, há 90 anos, conservar as mulheres afastadas das urnas e do poder era uma tática para manter este eleitorado fora da máquina pública, deixando o poder apenas nas mãos dos homens. A utilização de discursos preconceituosos e depreciativos, adotados por políticos gerou impactos que regem as condições políticas ainda hoje. — Os partidos colocam recursos e dão mais suporte para os homens, fazendo com que eles tenham mais chances de sucesso eleitoral — enfatiza Biroli. A professora cita a Argentina como exemplo de paridade política e lembra que, mesmo que as mulheres eleitas não sejam feministas, há ganhos em políticas de gênero. Por si só, a presença feminina é capaz de ampliar a discussão sobre desigualdade no espaço público.

— Na Argentina, há um avanço em direção à paridade de gênero desde que se adotou a legislação de cotas em 1991. A gente vê o parlamento debatendo questões de gênero, agendas de interesse das mulheres e aprovando pautas voltadas ao público feminino. Não quer dizer que isso aconteça aqui no Brasil.

Temas econômicos

Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, diz que as mulheres estão mais interessadas em temas econômicos do que políticos. Considerar qual candidato tem condições de baixar a inflação, de melhorar o salário e melhorar a educação dos filhos seria o norte do voto feminino.

— As mulheres se interessam pela pauta econômica aplicada no dia a dia. O pesquisador ressalta ainda que o levantamento não quer dizer que não existe sororidade entre as mulheres nem significa desinteresse em pautas voltadas à igualdade de gênero; mas somente que o grupo não identifica propostas concretas relacionadas a elas, e se voltaa para ganhos políticos aplicados ao cotidiano.