Título: ¿Decepcionada, mas não desistente¿
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/10/2005, Brasília, p. D3

A deputada Arlete Sampaio mistura decepção e segurança ao falar da crise política do PT, partido que ajudou a fundar. Ela confessa estar triste com as denúncias envolvendo a legenda em casos de corrupção, mas garante que continuará no partido para ajudar a reeguê-lo. Baiana de Itagiba, vive desde 1971 no Planalto Central. Médica graduada pela Universidade de Brasília (UnB), é especialista em saúde pública. Levanta também a bandeira da proteção ao meio ambiente. Em sua carreira política, traz duas tentativas de se eleger senadora. Foi vice-governadora do Distrito Federal na gestão de Cristovam Buarque. À época, ficou à frente do Orçamento Participativo e das Administrações Regionais. Embora se considere ainda insatisfeita pelas explicações dadas pelos dirigentes regionais do partido a respeito dos recursos recebidos das contas de Marcos Valério, Arlete demonstra otimismo e confiança no partido que ajuda a sustentar. Ao falar das denúncias, não vacila ao exigir punição aos culpados. Integrante da ala esquerdista do PT, assistiu, na semana passada, a vitória do campo majoritário para a presidência da legenda. Mesmo assim, avalia positivamente o processo eleitoral. Ostentando confiança, acredita que o partido deverá mudar a forma de comando para atender à oposição dos militantes que, em número surpreendente, apoiaram Raul Pont no Processo de Eleições Diretas (PED). - Com a vitória de Ricardo Berzoini, do campo majoritário, para a presidência do PT, o cenário do partido no Distrito Federal foi modificado?

- Apesar do meu candidato, Raul Pont, ter perdido as eleições para a presidência, pela primeira vez na história do PT nós temos uma disputa de segundo turno e uma aproximação muito grande do número de votos entre o candidato do campo da esquerda e o candidato do Campo Majoritário. Mesmo com a vitória do Berzoini, é inegável que houve uma ampliação da participação do campo da esquerda no Diretório Nacional. Isso fará com que o presidente do partido e o Campo Majoritário tenham muito mais necessidade de negociar, discutir e debater com o campo da esquerda. Não será mais possível o Campo Majoritário hegemonizar a Executiva e o Diretório Nacional tendo necessidade, inclusive, de distribuir as funções mais importantes do partido também para o campo da esquerda.

- E esse novo quadro é favorável à união das esquerdas no DF?

- Acho que isso abre um cenário positivo na busca de reconstrução ou refundação do PT. Isso favorece o partido a retomar o debate da sua linha programática. Faz com que o partido também debata a sua organização interna, reveja algumas decisões tomadas no último período que não foram positivas para o partido. Quanto à união da esquerda no DF, isso está vinculado à decisão do Congresso Nacional sobre a verticalização. Se for a regra for mantida, vamos ser obrigados a nos manter coligados aqui àqueles partidos a quem o partido nacional vai se coligar. Isso vai dificultar a possibilidade de uma aliança do campo de esquerda aqui.

- Mas se for feito um acordo entre os partidos de esquerda pode ser que só o PT lance candidato.

- Isso não seria o ideal. O melhor seria nós termos uma aliança do campo da esquerda desde o começo.

- E se a verticalização continuar, existe a possibilidade de uma coligação branca?

- Vai ser preciso observar como serão as alianças nacionais. O cenário ainda está muito indefinido para respondermos de forma cabal a essa questão.

- O ex-presidente do PT-DF Vilmar Lacerda e o ex-vice-presidente Raimundo Júnior são acusados de sacarem um total de R$ 605 mil das contas do empresário Marcos Valério Souza. A explicação dada por eles, de que apenas cumpriram com suas obrigações partidárias, ficaram claras para a senhora?

- A direção regional do partido, da qual não faço parte, decidiu fazer uma comissão de averiguação. E essa comissão recebeu do presidente Vilmar uma explicação e uma documentação que, de maneira clara, define onde os recursos foram empregados. Então, a nossa decisão foi encaminhar toda essa averiguação para a Comissão Nacional de Sindicância que foi instituída pelo Diretório Nacional. A Comissão de Sindicância vai se posicionar a respeito da participação dos dirigentes de Brasília nesse esquema ou se simplesmente, como parece ser, o presidente do diretório regional apenas recorreu ao tesoureiro nacional e recebeu o dinheiro sem saber a origem.

- Mas a senhora acredita que eles são inocentes?

- Eu quero ouvir a posição da Comissão de Sindicância. Só aí vou me posicionar. Como membro do Diretório Nacional estarei na reunião do dia 22 próximo para tomar as posições que aqueles que analisaram o processo possam me orientar a tomar. Se um dirigente regional recebeu recursos do Diretório Nacional, do tesoureiro nacional, ele não é obrigado a saber a origem desses recursos. Ele apenas recebeu. Então, queremos saber de quem é a responsabilidade - se é do Delúbio, exclusivamente, ou se, além do Delúbio, também é de outras pessoas, inclusive esses dirigentes.

- Então a explicação deles, por enquanto, não bastou para a senhora?

- Não. Ainda quero ouvir qual é a apreciação que a Comissão de Sindicância vai fazer dessa averiguação. Eu sequer vi o resultado da Comissão de Averiguação. Então quero saber a opinião da Comissão de Sindicância.

- A senhora sabe onde esse dinheiro foi usado?

- Segundo o presidente [Vilmar]e os documentos que ele apresentou, esses recursos foram gastos para pagamento de dívidas do diretório regional, como programas de TV.

- Como fica a posição da esquerda do partido nesse momento?

- Não sabemos ainda porque não vimos o documento, não vimos a posição da Comissão.

- Se mostrar, por exemplo, que os dirigentes do DF estão realmente envolvidos?

- A posição que a esquerda do partido defendeu no Diretório, em contradição a essa Comissão de Sindicância, foi de que todas as pessoas envolvidas deveriam ter as suas filiações suspensas cautelarmente e que elas deveriam ser encaminhadas à Comissão de Ética. Nós perdemos essa posição no diretório e em contrapartida foi criada a Comissão de Sindicância. Então, obedecendo à lógica do partido, que tem posições que são majoritárias, acatamos as posições tomadas democraticamente. A posição da esquerda agora estará embasada nessa análise que a Comissão de Sindicância vai fazer.

- A senhora considera satisfatória as explicações dadas pelo ex-assessor da Casa Civil Valdomiro Diniz sobre a denúncia de que teria recebido propina de Carlinhos Cachoeira para financiar a campanha do Magela em 2002?

- Tem uma CPI dos Bingos no Congresso Nacional onde o Valdomiro já prestou seu depoimento. Carlos Cachoeira também. Espero que a CPI investigue, porque, da nossa parte, a gente tem que escolher entre a palavra do Magela e da coordenação da campanha dele de que não recebeu nenhum recurso e a palavra do Valdomiro. Entre a palavra do Valdomiro e a do Magela, fico com a do Magela. Agora, vamos analisar os resultados da investigação da CPI do Rio e da CPI do Congresso. Espero que isso traga luz a esse debate se não fica, mais uma vez, sendo uma situação de denuncismo antipetista que tem sido bastante forte.

- Como a senhora se sente vendo tanta denúncia atingindo o partido?

- Estou no PT desde o primeiro dia. Acho que a gente tem que analisar a natureza dessas denúncias. Acho que, obviamente, dirigentes do PT deram motivos para que começassem as denúncias contra o partido. Isso aconteceu, a meu ver, porque algumas pessoas começaram achar que o importante era lutar pelo poder, simplesmente, sem projeto político. E essa posição conduz a todo tipo de desvios como, por exemplo, na política de alianças que assimilam aquilo que há de pior nas elites políticas e econômicas brasileiras. Essa prática é antiguíssima, não tem nenhuma novidade. A única novidade nisso tudo é que o PT participou dessas coisas.

- Isso deixa a senhora decepcionada?

- Muito decepcionada, muito triste, mas nem por isso desistente do partido. O Partido dos Trabalhadores não é isso. A maioria dos militantes do partido não tiveram envolvimento nesse negócio todo. A direção nacional nunca ouviu falar nisso. Eu sou da Executiva Nacional e nunca ouvi falar de Valério, nunca ouvi falar de empréstimos bancários, portanto, não tenho nenhuma responsabilidade com isso e quero que aqueles que tenham sejam excluídos do partido.

- No DF é a grande oposição ao governo Roriz. Mas, apesar de todas as denúncias que surgem contra o governo, nada chega a abalar a posição e a aprovação do governador. Como a senhora avalia isso?

- Sempre criticaram o PT por fazer uma oposição dura, mas nunca ficou tão claro no Brasil que a oposição do PT é uma oposição fraca, porque ela não compartilha do poder econômico, não compartilha dos mecanismos que as elites políticas brasileiras sempre se deram. Então existe uma blindagem ao Roriz. A mídia não bate no Roriz. Essa blindagem protege o governador. E tudo se passa como se os dólares ou as pepitas de ouro ou as armas encontradas na casa do diretor da Belacap não tivessem nada a ver com o governo. Da mesma forma, tu do que se passou e que se passa na Secretaria de Saúde nada tem a ver com o governo. Entretanto, as denúncias todas contra o PT são absolutamente amplificadas pela força que tem a oposição a nós.

- Qual deve ser a estratégia do PT para enfrentar essas dificuldades nas próximas eleições?

- Falar para as pessoas olhando nos olhos delas. Essa é a única estratégia possível. O governador Roriz tem uma marca de grande tocador de obras em Brasília. Mas ele também tem que ficar com a marca de destruidor da saúde, da educação, dos serviços públicos, dos transportes coletivos. Temos que passar isso para as comunidades, perguntar às pessoas se basta nessa cidade ter viadutos, se basta construir uma ponte de quase R$ 200 milhões. E o que fazer com a atenção à saúde das pessoas?

- Qual é a estratégia política para isso?

- É fazer campanha, ir para as ruas conversar com as pessoas. Temos que gastar muita sola de sapato para falar com as pessoas.

O governo Cristovam, do qual a senhora era vice, foi criticado por não se aproximar da periferia. Nas próximas eleições a senhora acha que essa aproximação deve ser buscada?

- Claro que sim. Essa é uma crítica que a gente tem que relativizar porque não dá para desconhecer a característica populista do governo Roriz. Ele construiu uma base social. Se você analisar o complexo do GDF hoje, todos os cargos comissionados que este governo criou, você vai perceber que existe um grande percentual da população eleitora brasiliense que é dependente do governo. Isso é uma máquina política.

- O que o PT pode fazer?

- Falar com as pessoas, ter o seu discurso, fazer as denúncias, e ter um projeto político para mostrar que se o PT ganhar as eleições a saúde será outra, a educação será outra, o transporte coletivo será outro, os serviços públicos serão outros. Essa é a grande bandeira que temos que desenvolver - a bandeira da participação popular, do combate à corrupção. O PT já foi governo em Brasília durante quatro anos e não deixou nenhuma marca de corrupção na cidade. E nós podemos retomar essa experiência.