Valor Econômico, n. 4959, 13/03/2020. Legislação & Tributos, p. E1

Ministros julgam ação mais antiga no Supremo

Joice Bacelo


A União perdeu no Supremo Tribunal Federal (STF) a disputa que havia travado, há mais de cinco décadas, com o Estado de São Paulo sobre a propriedade de terras próximas à Fazenda Ipanema - local em que, na época do Império, funcionou a primeira siderúrgica do país. Esse era, até ontem, o processo mais antigo em tramitação na Corte.

Trata-se da Ação Civil Originária (ACO) 158, que foi ajuizada em 1969. A União alegava que o Estado de São Paulo não poderia ter cedido a área para particulares porque, como sucessora do Império, era a dona das terras. Pedia a anulação dos títulos que foram expedidos, a reintegração da posse e a condenação do Estado por perdas e danos.

A área em disputa é chamada de Campos Realengos. São 376 hectares situadas em Iperó, que fica a 120 quilômetros a oeste da capital paulista. O local, hoje, corresponde a dois bairros do município, onde residem cerca de quatro mil pessoas.

Após a Proclamação da República, o Estado de São Paulo considerou que tratavam-se de terras devolutas - que não têm uso público e não integram o patrimônio privado. A Constituição Federal de 1891 previu que, nesses casos, se não fossem essenciais à União, ficariam com os Estados.

São Paulo ajuizou uma ação discriminatória, para que fosse reconhecido como proprietário, no ano de 1939. Esse processo teve o trânsito em julgado em 1958. Sete anos depois, em 1965, o Estado fez o repasse aos particulares.

A União ajuizou a ACO alegando não ter sido intimada no processo que garantiu a propriedade da área ao Estado de São Paulo. Afirmava que as terras não eram devolutas e que não poderiam ter sido transferidas aos particulares.

Esse processo é extenso. São 16 volumes distribuídos em mais de mil páginas. Só o voto da relatora, a ministra Rosa Weber, tem cerca de cem laudas. Ontem, ao proferir o seu voto, ela afirmou que a anulação dos títulos expedidos por São Paulo a particulares só se justificaria se ficasse demonstrado que a União tinha o domínio das terras, o que, na sua visão, não ocorreu.

“Não há a exata individualização para saber se coincidem, no todo ou em parte, com as terras dos títulos que o Estado expediu”, frisou a ministra. Segundo consta no processo, o território da Fazenda Ipanema era demarcado, na época, com o uso de vala. As terras internas a essa vala pertenciam a ela e as de fora não. Com o passar dos anos, no entanto esse buraco acabou desaparecendo.

A ministra Rosa Weber considerou ainda, no seu voto, a questão social. O Estado de São Paulo havia expedido os títulos, na época, para cerca de 20 fazendeiros. Hoje a situação é completamente diferente no local. A área, no município de Iperó, é ocupado por milhares de famílias e, se a União vencesse, poderia haver desapropriação.

Todos os ministros que julgaram o caso se posicionaram da mesma forma da relatora. “Não tenho nenhuma dúvida que [a área] é do Estado de São Paulo e da má-fé da União em manter essa ação”, disse Alexandre de Moraes. “São inúmeras famílias que vivem lá. Tamanho absurdo seria a procedência dessa ação. Tamanho desrespeito à boa-fé dos sujeitos que adquiriram [imóveis no local]. ”

Os ministros Cármen Lúcia, Celso de Mello e Dias Toffoli não estavam presentes no julgamento.