Valor Econômico, n.
4960, 14/03/2020. Brasil, p. A2
Câmbio não deve limitar
a ação do BC nos juros
Alex Ribeiro
Muitos economistas chamaram a atenção sobre o risco de novos cortes de juros
alimentarem ainda mais a alta do dólar. O Banco Central, porém, insiste que a
política monetária opera independente da política cambial e que os juros podem
cuidar apenas da inflação. Nessa controvérsia, a experiência empírica dá razão
para o Banco Central.
A tese de que a política
monetária é dominada pela política cambial não é, exatamente, nova. Em 2018, o
BC chefiado por Ilan Goldfajn foi cobrado a subir juros para conter uma alta do
dólar. Ilan seguiu a cartilha do regime de metas de inflação. Avisou que a
política monetária iria reagir apenas se a alta do dólar causasse efeitos
secundários na inflação. No fim, não precisou subiu os juros, e o tempo
mostrou que ele estava certo.
Por trás dos receios
sobre o impacto do corte dos juros no câmbio, há a teoria de que há duas
classes de países. De um lado, os desenvolvidos, que podem usar a política
monetária no equilíbrio interno de suas economias. De outro, os emergentes, com
fundamentos mais frágeis, que pagam o preço da recessão e baixa inflação para
assegurar o seu equilíbrio externo.
Participantes do mercado
financeiro também têm apontado uma suposta contradição na estratégia do BC. A
autoridade monetária vende dólares para conter o avanço descontrolado da moeda
americana. Mas, em paralelo, anuncia cortes de juros, que tornam menos atrativo
manter dinheiro no país e impulsionam o dólar.
O que falta nesses
argumentos é justamente provar que os juros baixos estão acentuando a
depreciação cambial. Os dias têm sido muito confusos, com muita coisa
acontecendo ao mesmo tempo, incluindo a crise do coronavírus, a guerra do preço
do petróleo e a derrubada do veto que aumentou em R$ 20 bilhões a despesa
com benefícios previdenciários. Neste ambiente, não é fácil determinar o que,
exatamente, pressiona o dólar. Mas é possível excluir alguns culpados. O
diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, disse em discurso na
semana passada que, “no período mais recente, desde o início de 2020, o
movimento agudo de depreciação do real não é explicado nem pela redução do
diferencial de juros nem pelo risco-país”.
Serra apresentou os
dados. Desde o começo do ano, o diferencial entre os juros domésticos e
internacionais permaneceu basicamente constante, enquanto a taxa de câmbio
entrava numa trajetória de depreciação. Quanto ao risco-país, também ficou
estável na maior parte do tempo, exceto nos dias mais recentes.
“Ele está coberto de
razão”, afirma o economista Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia
(Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ribeiro desenvolveu um modelo que
avalia a taxa de câmbio como uma variável financeira. Ele disseca os
vários fatores que mexem com a cotação do dólar, incluindo o desempenho da
moeda americana frente aos seus pares no exterior, os preços de commodities,
aversão a risco global, o risco Brasil e o diferencial de juros no curto prazo.
“Não é o diferencial de juros que está causando toda essa alta do dólar. ”
Os cálculos mostram dois
momentos distintos. Mais para o começo do ano, até a primeira semana de
fevereiro, fatores externos explicaram toda a depreciação cambial, e o
diferencial de juros teve efeito nulo. A partir de então, fatores externos
responderam por 26% da depreciação, fatores domésticos (sobretudo ruídos
políticos), por 76% da depreciação e o diferencial de juros teve
contribuição de 2% na direção contrária, atuando para apreciar a taxa de
câmbio.
Alguns economistas
alertam, porém, que nas condições atuais a resposta do câmbio a variações dos
juros pode ser bem mais forte do que no passado. Haveria, segundo esse
raciocínio, um ponto crítico em que as relações entre câmbio e juros se
modificam. “Essa é apenas uma teoria, nunca foi demonstrada com rigor”, diz.
Para tanto, seria necessário comprovar, com base em dados históricos, que o
efeito do diferencial de juros no câmbio aumenta em determinadas
circunstâncias. Não se conhece, até agora, estudo que mostre isso.
Segundo Ribeiro, o
diferencial de juros pesou mais forte há cerca de três anos, quando a taxa
Selic sofreu uma grande queda. Lá atrás, o diferencial de juros caiu de 14% ao
ano para 4% ao ano, e foi decisivo para levar a taxa de câmbio do patamar de R$
3,20 para R$ 4,00. Mais recentemente, os juros domésticos oscilaram menos.
Recuaram de pouco acima de 4% ao ano para pouco abaixo desse percentual.
Não há nenhuma indicação concreta de que tenha causado o salto do dólar dos
últimos meses, de R$ 4,00 para perto de R$ 4,80.
“Parece um exagero
colocar o câmbio como uma restrição à operação do regime de metas de inflação
no Brasil”, diz Ribeiro. “O câmbio é, na verdade, é uma questão dentro do
próprio arcabouço do regime de metas, na discussão sobre o repasse da alta do dólar
na inflação e como afeta as expectativas de inflação. ”
Outra alegação que
carece de fundamentação empírica é que, neste momento, o corte de juros seria
improdutivo, porque aumenta a inclinação na curva de juros - o que, na prática,
representaria um aperto nas condições financeiras. Os modelos de projeção de
inflação do Banco Central, porém, não consideram a inclinação da curva de
juros, mas sim o nível dos juros no prazo de um ano.
Sob esse aspecto, a
sinalização de corte de juros feita pelo Banco Central em 3 de março teve
efeitos expansionistas. No dia em que foi divulgada a ata do Copom, os juros de
um ano estavam em 4,35% ao ano. Nas semanas seguintes, com a disseminação dos
receios com o coronavírus, o mercado passou a precificar a continuidade dos
estímulos monetários, derrubando a taxa a 3,86% ao ano. Depois do comunicado do
BC sinalizando corte de juros, caiu ainda mais, para 3,76% ao ano. Ou seja, o
estímulo monetário de fato ocorreu, afetando positivamente as condições
financeiras. De lá para cá, o juro de um ano subiu de novo, mas devido a
prêmios de risco em um cenário doméstico e internacional mais incerto.
Alex Ribeiro é repórter
especial e escreve quinzenalmente
E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br