Valor Econômico, n. 4960, 14/03/2020. Brasil, p. A5

‘Bondades’ de Itaipu custam R$ 800 milhões

Daniel Rittner 


Em tempos de penúria fiscal, a usina de Itaipu tem servido como fonte de recursos para órgãos federais como Infraero e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que estão usando convênios com a hidrelétrica para aliviar seus orçamentos diminutos e tocar obras em aeroportos e rodovias de responsabilidade da União no interior do Paraná. O governo estadual e prefeituras na região de Foz do Iguaçu (PR) recorrem à mesma estratégia como forma de contornar a falta de caixa para investimentos em parques, ciclovias, hospitais e casas populares.

As “bondades” de Itaipu com recursos da usina, contudo, recebem críticas de especialistas no setor elétrico. Eles reclamam que o custo das obras, na prática, vai parar nas tarifas e é rateado por consumidores de energia de todo o Centro-Sul do país. Como se trata de uma empresa binacional, regida por tratado específico, a hidrelétrica não dá lucro prejuízo. Suas despesas são repassadas a fim de que o resultado contábil fique próximo de zero.

No dia 28 de fevereiro, Itaipu Binacional e o Ministério da Infraestrutura anunciaram novo convênio para a duplicação de um trecho de oito quilômetros da BR-469, conhecida como Rodovia das Cataratas. As obras devem começar em setembro e durar até março de 2022. Dos R$ 135 milhões previstos, 70% vão sair do caixa da usina - o governo paranaense arcará com os outros 30%.

Na ocasião, também foi dada ordem de serviço para ampliar de 2,2 mil para 2,8 mil metros a pista de pousos e decolagens do aeroporto de Foz do Iguaçu. A intervenção, orçada em R$ 55 milhões, tem como justificativa permitir que voos internacionais de longa distância possam ocorrer sem escalas e será bancada por meio de repasses de Itaipu à Infraero - apesar do compromisso do governo Jair Bolsonaro de conceder o aeroporto para a iniciativa privada no fim deste ano.

O Valor identificou pelo menos 19 convênios ativos, que totalizam pouco mais de R$ 800 milhões, em obras arcadas pela usina. Para efeito de comparação: o valor corresponde ao orçamento total, para 2020, das três maiores estatais vinculadas ao Ministério da Infraestrutura - Infraero, Valec e Codesp. A maior dessas obras é a construção da segunda ponte internacional entre Foz e Ciudad del Este, além da Perimetral, que fará a ligação à BR-277.

“A missão de Itaipu é apoiar o desenvolvimento regional”, diz o diretor-geral do lado brasileiro da usina, Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa no governo Michel Temer. Ele menciona a importância dos projetos apoiados para a economia local. “O aeroporto é um ponto de estrangulamento, porta de entrada e afeta o turismo, que é uma grande fonte de receitas para a região. E a BR-469 tem sido uma demanda dos últimos 20 anos”, completa.

No entanto, essa visão está longe de encontrar consenso. “É um absurdo. As pessoas acham que não há custo, ninguém nunca pergunta quem paga a conta”, diz a advogada e economista lena Landau, ex-diretora do BNDES e conhecedora do setor elétrico.

Para ela, os convênios assinados por Itaipu são mais um tipo de subsídio implícito que não aparece de forma transparente, como a antiga taxa de juros de longo prazo (TJLP) do BNDES e os incentivos dados para consumidores de energia com a instalação de painéis fotovoltaicos no teto das residências. Um problema adicional, segundo Elena, é que a empresa binacional não responde às obrigações da Lei de Responsabilidade das Estatais nem se submete à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU).

Ex-diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e professora da FGV-RJ, a economista Joísa Dutra acredita que a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu e o novo contrato de fornecimento de energia, em 2023, são uma oportunidade para discutir se esses recursos pertencem ao consumidor de energia ou devem ser aplicados no desenvolvimento regional. “Certamente, no Brasil, não é o Paraná quem mais precisa de investimentos. E hoje em dia, nas tarifas de eletricidade, nada é migalha”, afirma Joísa, lembrando que a CDE - fundo que banca subsídios do setor - já passa dos R$ 20 bilhões por ano.

Algumas outras obras apoiadas por Itaipu são a instalação de pontes de embarque no aeroporto de Cascavel (R$ 4 milhões) e casas populares no oeste do Paraná (R$ 21,5 milhões). Em Foz, os convênios abrangem ainda um hospital (R$ 64 milhões), duplicação do acesso rodoviário ao aeroporto (R$ 15,5 milhões), ciclovias (R$ 14,4 milhões), mercado municipal (R$ 9,3 milhões) e até a reforma de uma delegacia da mulher (R$ 1,66 milhão).