Valor Econômico, n. 4960, 14/03/2020. Brasil, p. A3

Medidas devem mirar também famílias, dizem analistas

Hugo Passarelli
Sergio Lamucci


Medidas para aumentar a liquidez das empresas e das famílias em um momento de esfriamento da atividade, com a disseminação do coronavírus, estão na direção correta, afirmam economistas. No entanto, a extensão ainda desconhecida da crise, com impactos mais profundos sobretudo no setor de serviços e nos trabalhadores informais, exige ações mais direcionadas.

“Com exceção da desoneração do querosene, todas as demais medidas são horizontais. Mas sabemos que certos setores e segmentos serão muito mais afetados do que outros, como são os casos dos segmentos de serviços e os trabalhadores no setor informal”, afirma Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores.

“O mais difícil é que o dinheiro para de rodar na economia, então fazer acomodar esse tempo em que as pessoas ficam sem dinheiro é o grande desafio”, afirma Armando Castelar, coordenador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Por isso, faz sentido adiar o recolhimento de impostos, de modo a aliviar o caixa das empresas em momento de pressão financeira, avalia.

Segundo Castelar, deveria constar nos planos do governo alguma medida para atender ao elevado número de trabalhadores informais, sem opção de obter recursos extras, como eventual liberação de novos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Nesse caso, ele defende alguma antecipação de benefícios sociais, como a 13ª parcela do Bolsa Família criada no ano passado pelo governo.

Castelar diz que pode ser necessário mudar a meta fiscal para este ano, mas acredita que este debate é prematuro neste momento. “É um choque está fora do controle do governo, não tem nenhum demérito se for necessário mudar a meta fiscal”, afirma ele.

Segundo Castelar, ainda é cedo para estimar qual será uma eventual frustração de receitas e o impacto na economia. Na China e no resto do mundo, lembra Castelar, o que se viu foi como algo em torno de 0,5 ponto percentual a menos no crescimento esperado.

Com herança estatística de 0,8% recebido de 2019, Castelar lembra que o cenário já era bastante negativo mesmo sem prever o choque com a doença. Isso significa que, se o PIB não crescer nada em relação ao nível do fim do ano passado, o crescimento de 2020 será de 0,8%. “Podemos ter até uma recessão, dois trimestres de resultado negativo é algo possível, mas ainda é um pouco cedo para cravar”, afirma.

Também pesquisador associado do Ibre/FGV, Borges diz que, além de medidas econômicas, o recomendável é que o pacote de ajuda viesse acompanhado de medidas administrativas lideradas pelo Ministério da Saúde. “Seria interessante antecipar as férias escolares de julho para agora; também poderia ser anunciado um programa de testes massivos para o Covid-19, com o apoio do Exército, por exemplo”, afirma.

Sem descuidar do andamento da agenda de reformas, Borges defende que o governo deveria avaliar medidas mais ousadas caso o impacto econômico do novo coronavírus se aprofunde, como o uso dos cerca de R$ 200 bilhões que seriam desvinculados pelos PEC dos Fundos para o investimento em infraestrutura.

“Além de fazer sentido por conta do estágio do ciclo econômico brasileiro atual (excesso de ociosidade, mesmo antes do choque do coronavírus), seria um gasto temporário (e não permanente), com efeito multiplicador bastante elevado e ainda elevaria o ativo do setor público” diz, acrescentando que a medida ajudaria a melhorar a produtividade e o PIB potencial do Brasil no médio e longo prazos.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, diz que adiar o pagamento de impostos é razoável, por ajudar a não estrangular empresas que passem por dificuldades. A questão é saber que tributos terão o recolhimento adiado, afirma Gonçalves. O ponto é que, com a parada da atividade econômica por algumas semanas, vários tributos não serão gerados, como ICMS, PIS-Cofins e IPI.

Para ele, tudo o que tem a ver com “refresco de crédito” é favorável, principalmente linhas de capital de giro por meio dos bancos públicos. “Você subsidiar crédito para capital de giro neste momento é uma medida básica”, afirma Gonçalves. É uma iniciativa que ajuda a evitar que se aprofunde uma situação difícil que não precisa ser aprofundada, segundo ele.

O eventual uso de mais recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pode dar alguma ajuda, mas Gonçalves destaca que a liberação de dinheiro do fundo no fim do ano passado “mal fez cócegas” na atividade. Para ele, há espaço para se pensar na política fiscal num cenário como o atual. Na visão do economista, é importante a utilização de medidas anticíclicas, não se limitando a créditos extraordinários para a saúde. O investimento público tem relevância, o que não significa a defesa de gastos sem controle ou transparência, diz Gonçalves.

Há algumas semanas, a projeção de crescimento do economista para 2020, de 1,4%, era uma das mais pessimistas do mercado. Hoje, ele vê o risco de uma recessão, e considera que previsões de 1% de expansão neste ano tendem a virar o teto das estimativas.