Título: Saddam desafia tribunal iraquiano
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Fonte: Jornal do Brasil, 20/10/2005, Internacional, p. A8

Ex-ditador ignora autoridade de juiz e jura que é inocente do massacre de mais de 140 pessoas em 1982. Audiência é adiada

BAGDÁ - O ex-presidente do Iraque Saddam Hussein, de 68 anos, parece ignorar que agora é acusado de mais de 140 mortes e corre o risco de ser condenado à morte pela Justiça do país que comandou com mão-de-ferro. No primeiro dia de seu julgamento, o réu voltou a se comportar com a arrogância de seus tempos de ditador e desafiou o juiz Rizgar Mohamed Amin. Também jurou inocência, e seu advogado conseguiu ganhar tempo: após três horas, a audiência acabou adiada para 28 de novembro porque testemunhas de acusação, apavoradas, não apareceram.

Saddam Hussein passou o tempo em uma espécie de cercado com os outros sete acusados, todos integrantes de seu partido, o Baath. Eles respondem pelo massacre na cidade de Dujail, em 1982, quando 500 xiitas foram assassinados ou sumiram. Na ocasião, o então presidente e sua comitiva escaparam de um atentado. Furioso, segundo a acusação, Saddam teria mandado caçar os responsáveis.

As mais de 140 vítimas que geraram o processo a que o ex-ditador responde agora foram assassinadas no mesmo dia. Muitas, nos meses e anos seguintes. Há ainda relatos de pessoas levadas para campos de concentração e outras, forçadas a deixar o país. Por isso, os réus respondem por assassinato, tortura e por forçar cidadãos ao exílio.

Logo no início do julgamento, Saddam deu o tom de como iria se comportar durante toda a audiência.

- Você me conhece. Você é iraquiano e todo iraquiano sabe quem eu sou - disse, de pé, quando o juiz lhe pediu para que se identificasse, uma formalidade do tribunal. - Eu não vou responder a esse suposto tribunal. Quem é você? O que é você? Eu conservo meus direitos constitucionais de presidente do Iraque - completou.

O juiz não perdeu a calma. Desistiu de fazê-lo se identificar formalmente e tomou a palavra, tarefa especialmente difícil ontem, já que Saddam mal dava chance de ser interrompido.

- Você é Saddam Hussein, ex-presidente do Iraque - resumiu o juiz, o que irritou o acusado:

- Eu não disse ex-presidente - insistiu o réu, com o dedo em riste.

Pouco depois, o juiz, finalmente, conseguiu ter uma das perguntas respondida objetivamente.

- Senhor Saddam, continue. O senhor é culpado ou inocente?

- Como eu já disse antes, sou inocente.

Vestindo um paletó escuro sobre uma camisa branca, barba grisalha, por muito tempo, foi o único dos oito réus que ficou de pé, rebatendo as perguntas de Amin. Ao chegar, fez questão de pedir aos guardas que o escoltavam para diminuir o passo enquanto encarava cada um dos cinco juízes presentes. Antes de sair, iniciou uma discussão com os mesmos guardas, quando tentaram conduzi-lo segurando seus braços. Reclamou, aos gritos, e ainda sacudiu um deles pelos ombros. O pedido acabou atendido.

O advogado de defesa, Khalil al Dulaimi, que é curdo (etnia rival da árabe sunita, de Saddam), pretendia pedir o adiamento do caso, argumentando que não teve tempo de se preparar, até ontem. Mas o juiz, que também é curdo, anunciou nova data porque cerca de 40 testemunhas da acusação, algumas delas parentes das vítimas do massacre de Dujail, não compareceram à audiência. Temem represálias dos aliados do ex-presidente, segundo Rizgar Mohamed Amin, que vai tentar convencê-las a depor.

O julgamento de Saddam Hussein foi transmitido para todo o mundo, entrando no ar com 30 minutos de atraso.

E foi acompanhado com especial atenção pelos moradores de Dujail, onde foi o massacre, e em sua terra natal, Tikrit. Para uns, é o assassino, que merece a morte por enforcamento, como manda a lei iraquiana. Para outros, ainda é o herói injustiçado.