O Globo, n. 32565, 04/10/2022. Opinião, p. 2

Congresso menos fragmentado representa avanço



Independentemente de quem seja eleito presidente no fim do mês, o Congresso Nacional começará a adquirir um novo rosto na próxima legislatura. A composição do Parlamento que emerge das urnas traduz, ainda que timidamente, a força crescente de partidos maiores, com maior coerência programática, em detrimento das siglas menores, uma das principais anomalias da nossa democracia. Ao todo, 19 partidos ou federações atingiram o patamar mínimo para ter direito a bancada na Câmara — em 2018 haviam sido 30. O resultado deixa claro que a proibição de coligações nas eleições proporcionais e a cláusula de barreira felizmente começam a reduzir a fragmentação partidária.

Um Congresso com partidos maiores e mais fortes melhora as chances de governabilidade, já que o Executivo encontra menor dificuldade para construir maioria. A divisão entre as agremiações passa a ser pautada mais por crenças e ideologia que por conveniência e interesses. Na teoria, isso aumenta a probabilidade de aprovação de projetos com maior consistência programática, caso das reformas necessárias para destravar as amarras que têm atrasado o crescimento econômico e o desenvolvimento no Brasil.

Dentre as principais bancadas eleitas, destacam-se as que representam os polos em torno dos principais candidatos à Presidência. O PL, do presidente Jair Bolsonaro, elegeu 99 deputados federais, de longe a maior bancada. O feito é comparável ao do PSDB e do extinto PFL em 1998, quando os tucanos conquistaram 105 cadeiras, e os pefelistas 99. Na outra ponta, ganhou força a federação de partidos liderada pelo PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela somou mais 11 deputados, chegando a 79 e formando a segunda maior bancada da Casa. O União Brasil ganhou oito deputados, totalizando 59, a terceira bancada. O PP perdeu 11, mas ainda mantém 47. O MDB cresceu para 42 deputados (hoje tem 37), bancada equivalente à de PSD e Republicanos. Ainda no campo da esquerda, a federação PSOL/Rede, impulsionada por mais de 1 milhão de votos dados a Guilherme Boulos em São Paulo, ganhou quatro cadeiras, somando 14. Quem mais perdeu na esquerda foi o PSB, que agora também tem 14 deputados, ante 24 na legislatura anterior.

Na nova configuração do Congresso, tanto Lula como Bolsonaro têm espaço para formar maioria, embora a dificuldade seja maior para o ex-presidente. A eleição de mais de 300 deputados identificados com centro, centro-direita e extrema direita num universo de 513 e a conquista de terreno também no Senado criam uma dificuldade intrínseca para os planos de Lula, caso ele derrote Bolsonaro no próximo dia 30.

A principal dificuldade trazida pelo Congresso eleito, porém, não é nova: o mecanismo das emendas do relator, ou orçamento secreto. Criado com o apoio da frente bolsonarista, ele vem sendo usado para comprar votos distribuindo verbas para congressistas gastarem em suas bases de apoio, sem planejamento nem transparência. Bolsonaro, se reeleito, pouco fará para eliminar o instrumento que ajudou a criar. Lula prometeu, caso eleito, acabar com a excrescência em negociação com os congressistas. As conquistas do Centrão nas urnas trazem motivo para ceticismo. O destino do orçamento secreto depende ainda de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Será essa a pauta que definirá a relação entre Executivo e Legislativo no início do próximo governo.