Valor Econômico, v. 20, n. 4960, 14/03/2020. Agronegócios, p. B10

MPF promete cobrança, mas quer evitar enxurrada de multas

Marina Salles
Luiz Henrique Mendes

 

Quando o Ministério Público Federal (MPF) iniciou sua ofensiva contra os frigoríficos brasileiros, não tinha a mais vaga noção do desafio que se imporia. À época responsável pelos Termos de Ajuste de Conduta (TACs) no Pará, pioneiro na iniciativa, o procurador Daniel Azeredo, hoje secretário-executivo da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF, disse que precisou construir, ao lado das empresas, algo novo no país. Os TACs previam que se fizesse uma auditoria das compras de gado das indústrias, mas faltava descobrir de que forma.

As incertezas iam desde se havia necessidade de visitar os frigoríficos e as fazendas até como financiar as auditorias. E o resultado do piloto de 2013 no Pará não agradou. “A empresa contratada fez um trabalho muito ruim e aí a gente mudou para o processo em que o próprio frigorífico contratava a auditoria”, disse.

Nesses moldes, foram realizadas no Pará duas auditorias, divulgadas em 2018 e 2019, referentes a 2016 e 2017. Mas o modelo - com ajustes técnicos e critérios unificados para compras de gado no Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rondônia - rodará pela primeira vez nos frigoríficos com TAC nesses Estados apenas em 2020. Em fevereiro, um protocolo unificando as auditorias em todos os Estados do país foi estabelecido.

Para o Greenpeace, o Brasil já leva tempo demais nessa batalha, o que fez a ONG se retirar da mesa de discussões com os frigoríficos em 2017, afirmou Adriana Charoux, estrategista da campanha de Amazônia da ONG. A saída do Greenpeace ocorreu após uma conjunção de notícias negativas sobre o setor, como a delação premiada dos donos da JBS, a operação Carne Fraca e, principalmente, a operação Carne Fria, deflagrada pelo Ibama em cima de compras irregulares de fornecedores indiretos da JBS que desmataram. A empresa foi multada na época, mas recorreu alegando ter sido cobrada por algo que não tinha condições legais de realizar (ver matéria Desafios ambientais dos frigoríficos ainda são grandes no Norte).


Para Ricardo Negrini, procurador do MPF no Pará, a cobrança aos frigoríficos em relação aos indiretos deve vir gradativamente, porque uma punição às empresas hoje terminaria com a emissão de uma enxurrada de multas, com pouco efeito prático na promoção de melhorias. “Eu não estou dizendo que não vou multar, mas a gente também considera o grau de comprometimento das empresas”, disse.

Segundo o MPF, no bioma amazônico há 150 frigoríficos, que respondem por 90% do mercado legalizado, e eles perfazem três grupos: das empresas com TAC e auditoria, com 23 membros; os com TAC e sem auditoria, que são 70; e os sem TAC e sem auditoria, quase 60. O terceiro grupo é o mais preocupante e está na mira dos procuradores.

No Amazonas, o Frigonosso foi multado em outubro em R$ 3,8 milhões pela ausência de esforços em cumprir o TAC do Estado. Mas quem tinha assinado o acordo com o MPF, em 2013, na verdade, era o Frigorífico Amazona, que arrendou, mais tarde, a operação ao Frigonosso.

“Nessa situação, há muitas outras empresas no bioma”, disse Rafael da Rocha, procurador do Amazonas. De qualquer forma, segundo ele, foi pedida a penhora do estabelecimento e, caso o pedido seja acatado, o Frigonosso irá a leilão para pagamento da multa. A maioria dessas multas, contudo, caduca sem retorno efetivo. Procurado pela reportagem, o Frigonosso não respondeu ao contato. (com a colaboração de Rafael Walendorff, de Brasília)