Valor Econômico, v. 20, n. 4960, 14/03/2020. Empresas, p. B4

Choque do petróleo ameaça energia limpa

Leslie Hook


A queda livre do petróleo desencadeou uma onda instantânea de pânico pelos mercados financeiros, mas a decisão da Arábia Saudita de iniciar uma guerra de preços ainda pode ter profundas consequências para adoção de fontes de energia mais limpas.

“Isso, definitivamente, vai exercer pressão negativa no apetite pela transição a uma energia mais limpa”, disse Fatih Birol, chefe da Agência Internacional de Energia (AIE), sobre a queda histórica nos preços do petróleo.

Analistas alertaram para a possibilidade de que o choque de preços afete a demanda por veículos elétricos e diminua o incentivo a que se tomem medidas de eficiência energética, porque as turbulências - somadas à desaceleração da economia mundial - tiveram impacto sobre os planos mais ambiciosos de uso de fontes renováveis.

Diferentemente do período de baixos preços do petróleo entre 2014 e 2016, agora muitos países, incluindo o Reino Unido e os da União Europeia, já definiram metas ambiciosas para reduzir as emissões líquidas para zero nas próximas décadas, o que vai exigir uma enorme mudança no uso das fontes de energia.

Birol disse que a situação seria “um bom teste” para todos os compromissos climáticos assumidos recentemente por governos e empresas. “Os que acompanham [a questão] vão perceber rápido se a ênfase dos governos e empresas na transição perde força quando as condições do mercado ficam mais difíceis. ”

Um petróleo barato provavelmente torna os veículos elétricos menos atrativos para os consumidores, pelo menos no curto prazo. O mercado mundial de veículos elétricos já teve desaceleração em 2019 em razão da fraca demanda na China e nas Américas. É um cenário que corre o risco de ser agravado pela disseminação do coronavírus e o estado da economia mundial.

“O mercado de veículos já vem encolhendo e agora é atingido por problemas potenciais de escassez na cadeia produtiva e pela queda na confiança dos consumidores”, destacou o grupo de análises Bloomberg NEF em relatório recente. “Agora prevemos que as vendas de VEs [veículos elétricos] na China serão impactadas em 2020 [...] Isso ainda poderia cair mais à medida que o impacto completo do coronavírus ficar mais claro. ”

A ameaça à transição energética fica ainda maior porque os baixos preços da energia muitas vezes reduzem os incentivos econômicos para poupá-la e para encontrar formas de usá-la com mais eficiência. “A energia mais barata sempre leva a que se use a energia de maneira menos eficiente”, disse Birol. “Baixos preços das fontes de energia vão tornar menos atraente a fundamentação econômica de poupar energia, em razão do petróleo e gás baratos, e isso, definitivamente, não será uma boa notícia."

Para o setor de eletricidade, o impacto do petróleo mais barato deverá ser mais ambíguo.

A geração de eletricidade não é afetada diretamente por mudanças na cotação do petróleo porque a commodity raramente é usada para esse fim. O atual choque, contudo, poderá mudar as políticas de governo que vão definir o futuro das fontes renováveis de energia.

Embora o custo da energia eólica e solar tenha caído fortemente nos últimos dez anos, o tamanho do subsídio governamental a essas fontes também está em queda em muitos países. Mesmo antes do impacto econômico do coronavírus, os investimentos em energia limpa, que chegaram ao auge em 2017, já vinham registrando queda, com ligeiros recuos em 2018 e no primeiro semestre de 2019.

“Os choques no preço do petróleo há alguns anos levaram, de fato, a uma pressão negativa sobre a maior parte dos investimentos de empresas de petróleo e gás”, disse Helen Mountford, vice-presidente de clima e economia do instituto de pesquisas WRI. “Penso que hoje vivemos em um mundo diferente e penso que veremos um resultado diferente”, acrescentou, ressaltando que houve queda nos preços da energia solar e eólica.

Outro fator que poderia influenciar o panorama da energia limpa é que as empresas de óleo e gás encontram mais dificuldade do que imaginavam para financiar investimentos em renováveis.

Valentina Kretzschmar, chefe de análise empresarial na firma de consultoria Wood Mackenzie, destaca que os baixos preços do petróleo também tornam menos atrativo para os produtores a realização de grandes investimentos em novos projetos de exploração.

“O argumento de que as empresas de petróleo e gás vão perder dinheiro se investirem em fontes renováveis, esse argumento realmente não se sustenta com o barril a US$ 35”, disse. Análises da Wood Mackenzie indicam que, pelo preço atual do petróleo, mais de 85% dos projetos de petróleo e gás no mundo trariam um retorno de menos de 15%.

Alguns acreditam que a transição rumo à energia mais limpa tem ímpeto suficiente para enfrentar qualquer obstáculo representado pelos baixos preços do óleo.

Embora os projetos de energia renovável normalmente gerem retornos mais baixos do que os de exploração de petróleo e gás, eles também oferecem estabilidade de longo prazo, algo que poderia tornar-se mais atraente no atual mercado, disse Mark Lewis, chefe de análise de investimentos sobre mudanças climáticas no BNP Paribas Asset Management.

“A forma como os investidores veem o setor petrolífero já está sob pressão há 12 meses”, disse Lewis. “Obviamente é o caso de que se houver um choque econômico grave, então, as fontes renováveis e as mudanças climáticas vão correr o risco de voltar a perder espaço na agenda política, mas não acho que seria tanto quanto no passado [...] Agora, é diferente, a fundamentação econômica avançou muito.” pressão há 12 meses”, disse Lewis. “Obviamente é o caso de que se houver um choque econômico grave, então, as fontes renováveis e as mudanças climáticas vão correr o risco de voltar a perder espaço na agenda política, mas não acho que seria tanto quanto no passado [...] Agora, é diferente, a fundamentação econômica avançou muito.”

Alguns analistas até dizem que os baixos preços do petróleo poderiam acelerar a transição estrutural para os combustíveis fósseis ao tornar as petrolíferas menos atraentes para os investidores. Os generosos dividendos cobiçados pelos investidores já começam a se evaporar. Na terça-feira, a Occidental Petroleum anunciou uma redução em sua distribuição de dividendos. “Os governos precisam estar atentos à bola e, neste caso, a bola é a mudança climática”, disse Birol. “Esses problemas - coronavírus, condições do mercado - são problemas grandes, mas são temporários. As condições do mercado vão se recuperar, talvez em poucos meses, talvez em mais tempo, mas nosso problema climático ainda vai existir.