Correio Braziliense, n. 21765, 19/10/2022. Política, p. 3

Desculpas a venezuelanas 

Victor Correia


Pressionado pela repercussão negativa das insinuações que fez sobre prostituição envolvendo meninas venezuelanas, o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, culpou a esquerda, disse que suas falas foram distorcidas e pediu desculpas, caso as palavras tenham provocado “algum constrangimento”. Ele, porém, já tinha feito declarações semelhantes a respeito das jovens em pelo menos outras duas ocasiões.

No vídeo veiculado ontem, Bolsonaro aparece ao lado da primeira-dama Michelle e da embaixadora da Venezuela, María Teresa Belandria. Antes de tentar se explicar, ele atacou opositores. “Estamos indignados com as últimas ações de alguns militantes de esquerda que, sem nenhum pudor, estão pressionando mulheres venezuelanas, a fim de obter vantagem política neste momento”, declarou. “Mesmo depois da decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), tomada em função da mentira que vinha sendo veiculada sobre minha pessoa, esses inomináveis agora dirigem seus ataques contra essas mulheres.”

A crise foi desencadeada no fim de semana, em uma entrevista de Bolsonaro ao canal Paparazzo Rubro-Negro, do YouTube. O presidente relatou que, em um passeio de moto em São Sebastião, num sábado, viu “meninas bonitas” na rua, de 14, 15 anos, “arrumadinhas”. “E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei”, contou. Ele, então, insinuou que as garotas se prostituíam. “Se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida”, acrescentou, na entrevista.

No vídeo de ontem, ele se defendeu: “As palavras que eu disse refletiram uma preocupação da minha parte no sentido de evitar qualquer tipo de exploração de mulheres que estavam vulneráveis. A dúvida e a preocupação que foram levantadas foram quase que imediatamente esclarecidas à época pela nossa (então) ministra da Mulher, Damares Alves, que foi ao local e constatou que as mulheres citadas na live eram trabalhadoras”.

A retratação foi uma exigência das lideranças femininas e da família das adolescentes ofendidas, que se reuniram com Michelle, Damares e Belandria na segunda-feira, em uma casa do Lago Sul, bem como uma estratégia da campanha para tentar aplacar a repercussão. Logo após o encontro, as três foram até o Palácio da Alvorada, onde conversaram com Bolsonaro e gravaram o vídeo, no qual a ex-ministra não aparece.

O candidato sustentou que suas falas foram tiradas de contexto por má-fé, e emendou: “Se foram mal-entendidas, ou de alguma forma provocaram constrangimento a nossas irmãs venezuelanas, peço desculpas, já que meu compromisso também sempre foi o de melhor acolher e atender a todos que fogem de ditaduras pelo mundo”. A primeira-dama também se manifestou, citando a Operação Acolhida, lançada pelo governo em 2018 para receber refugiados da Venezuela.  “Como um cristão, devemos acolher ao próximo. A nossa nação cuida e abraça a todos”, destacou Michelle.

 

Declarações antigas

A entrevista do fim de semana, porém, não foi a primeira vez em que Bolsonaro contou a história das meninas venezuelanas. O presidente abordou o assunto em pelo menos outras duas ocasiões. Em 12 de setembro, no podcast Collab, foi mais direto: “Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia? Quer que eu fale? Para fazer programa. Vocês acham que elas queriam fazer isso?”, disse.

Ele fez a mesma insinuação ao participar do Apas Show, em São Paulo, em 16 de maio, com empresários do setor de supermercados. “Fui à periferia de Brasília. Entrei numa república de venezuelanas, sábado à tarde. Dá para imaginar, pessoal? Sábado à tarde. Paro a moto, olhei para trás, umas meninas de 14,15 anos, arrumadinhas. Me surpreendeu. (...) Tinha umas 20 venezuelanas, meninas bonitas de 14, 15 anos, se arrumando pra quê? Se arrumando num sábado à tarde pra quê? É isso que nós queremos para nossas filhas e netas?”, discursou no evento.