Título: Além do Fato: Coragem, médicos!
Autor: Paulo Pinheiro*
Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2005, Rio, p. A14

Uma das mais antigas ciências do mundo é a Medicina e neste dia 18 de outubro comemora-se o Dia do Médico. Mas qual é a realidade dessa importante profissão no Brasil? Nós, médicos, somos formados por centenas de faculdades, algumas das quais nem deveriam estar funcionando. Já somos milhares, concentrados nos principais centros urbanos, com formação determinada pelas superespecialidades, conforme as necessidades ditadas pelo mercado. E isso nos transformou em grandes receitantes de medicamentos e dependentes de equipamentos de última geração. Os médicos, hoje, trabalham inconscientemente para o enriquecimento das indústrias farmacêuticas e de equipamentos. A hiperinflação de faculdades de Medicina, originada pela permissividade das autoridades dos sucessivos governos, lança centenas de médicos, semestralmente, no mercado. Boa parte deles não consegue espaço para o seu aprimoramento técnico através da residência médica. Este quadro favorece cada vez mais a exploração do médico, seja pelo patrão público, seja pelo privado. No serviço público temos, atualmente, centenas de médicos sendo ludibriados pelas chamadas ¿falsas cooperativas¿. São jovens médicos contratados, sem qualquer direito trabalhista, para trabalhar na periferia das grandes cidades, geralmente em áreas de alta periculosidade. E além de não terem salários compatíveis com suas responsabilidades, muitas vezes ainda ficam meses sem receber. A esta e outras humilhações podemos somar, também, as péssimas condições de trabalho.

O Rio de Janeiro sofre com a incompetência da má administração do setor público, não só na área estadual, como na municipal, e vê médicos enfrentando a falta constante de medicamentos e de exames laboratoriais e de imagens, essenciais para o diagnóstico.

Diriam os leigos que o médico pode atender no consultório dele, mas aqui também nos deparamos com uma verdadeira degradação da Medicina, que é o convívio com a saúde suplementar. As operadoras, que vendem seus planos e seguros de saúde prometendo ¿o melhor dos mundos¿, pagam, no momento, consultas que variam de 17 a 32 reais. E ainda atrasam, constantemente, as suas faturas, além de desaprovarem, invariavelmente, de 20 a 25% daquilo que o médico atendeu. Para piorar, o antigamente chamado profissional liberal consome 60% desse ínfimo valor pago pelas operadoras de saúde com as despesas fixas mensais (aluguel, funcionários, impostos e taxas). O resumo de todos esses erros pode ser avaliado por qualquer um de nós, quando precisamos usar os serviços de saúde pública ou suplementar. E, infelizmente, o atrito ocorre quase sempre entre o usuário e o médico. Afinal, é este que informa ao paciente que a unidade de saúde não dispõe naquele momento da vaga, do medicamento ou do exame que ele precisa ou que não é coberto pelo plano de saúde.

Assim estão o país em que vivemos e a profissão que escolhemos. Por isso é que mais do que nunca precisamos de coragem, médicos! Coragem para nos unirmos mais, para mudar esse país, obrigando os governantes a fazer uma ampla reforma nas nossas universidades, fechando algumas e impedindo que novas sejam abertas. Coragem para acabar com a precariedade das condições de trabalho, extinguindo as ¿falsas cooperativas médicas¿. Coragem para lutar pelo concurso como única forma de acesso ao serviço público, além da implantação de planos de carreira. Coragem para lutar por uma central de convênios e por uma tabela justa de honorários médicos.

Coragem para mudar os nossos governantes, quantas vezes forem necessárias.

Deputado estadual pelo PPS e presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro