O Globo, n. 32566, 05/10/2022. Opinião, p. 2

As limitações dos institutos de pesquisa



A divergência entre as pesquisas eleitorais divulgadas na véspera da eleição e o resultado das urnas despertou uma controvérsia tão previsível quanto o movimento dos astros ou as marés. Os institutos foram acusados de subestimar os eleitores de Jair Bolsonaro e de superestimar os de Luiz Inácio Lula da Silva. Na eleição para governador, uma análise levantou diferenças entre as principais pesquisas e a apuração que superaram a “margem de erro” em 26 estados. A celeuma reacendeu o debate sobre uma proposta legislativa estabelecendo um “índice de acerto” com base no resultado das urnas — e até chegou à Polícia Federal.

Críticas são necessárias para os institutos aperfeiçoarem sua metodologia e aprimorarem a informação fornecida ao eleitor. Mas é preciso que sejam embasadas. Infelizmente, não tem sido o caso do bombardeio que eles têm sofrido, muito menos da ideia descabida de avaliá-los aventada no Congresso.

Pesquisas não são prognósticos nem projeções. São levantamentos científicos a respeito da intenção do eleitor num momento específico. E eleitores mudam de ideia até a hora de digitar os números na urna. Na imagem feliz do estatístico Raphael Nishimura em artigo no GLOBO, “comparar a intenção de voto na pesquisa e o voto nas urnas seria como comparar bananas com maçãs, ou melhor, uma banana verde com essa mesma banana já madura”.

As explicações mais razoáveis para a discrepância entre as urnas e as pesquisas da véspera envolvem três fatores. Primeiro, as próprias pesquisas influenciam a decisão do eleitor, pelo mecanismo conhecido como “voto estratégico” ou “voto útil”. Foi aparentemente esse movimento que levou muitos a escolher Bolsonaro de última hora já no primeiro turno, para tentar evitar uma vitória de Lula que os números davam como possível. Nas eleições estaduais, grandes contingentes de indecisos também se definiram na última hora.

Segundo, há, sim, limitações metodológicas. O voto em Lula concentra-se em segmentos demográficos de menor renda e escolaridade. Quando a amostra da pesquisa tem maior proporção desses eleitores que a população, tende a superestimar o apoio a Lula. Além disso, esse eleitorado é mais propenso a abster-se no dia da votação, num movimento desfavorável a Lula. E os institutos ainda não lidam de modo satisfatório com a abstenção num país onde o voto é obrigatório.

Há, por fim, eleitores invisíveis às pesquisas — seja porque não são alcançados pelo método de sondagem (telefônica ou presencial), seja porque se recusam a responder. Os institutos dispõem de técnicas para avaliar a recalcitrância e negam haver voto envergonhado em Bolsonaro. Mesmo assim, se algum grupo de eleitores ficar invisível à amostragem, será invisível também à “margem de erro”, calculada supondo uma amostra fiel da população. Por isso o efeito da não resposta preocupa os estatísticos no mundo todo — e só tende a crescer com os ataques bolsonaristas a pesquisas e pesquisadores.

Querer avaliar os institutos com base nas urnas ou usar palavras como “erro” e “acerto” em relação a pesquisas eleitorais equivale apenas a revelar a própria ignorância sobre o tema. Isso não significa, porém, que eles não devam explicações sobre seus métodos. Dada a atenção dispensada às pesquisas na campanha, é essencial que forneçam hipóteses plausíveis para o movimento do eleitorado e encarem, com transparência, suas próprias limitações.