Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Brasil, p. A4

Crise grave justifica mudança da meta, aponta IFI

Ana Conceição


O quadro geral da crise pela qual passa o país é muito grave e uma alteração na meta de resultado primário para financiar medidas excepcionais não seria motivo de piora das expectativas quanto ao cenário fiscal. A avaliação é de relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI).

O contexto requer medidas emergenciais que cabem no atual arcabouço fiscal, sem necessidade de alteração no teto de gastos, cuja preservação deveria ser premissa básica, diz a entidade. “Se bem utilizada, a eventual redução da meta de primário seria suficiente para abarcar volume expressivo de créditos extraordinários para a saúde e outras áreas, e uma ação pontual e eficiente de combate à crise do coronavírus.”

Segundo a IFI, o crédito extraordinário é o melhor instrumento à disposição, já que permite reação rápida e em várias frentes, sem afetar o teto de gastos. “O aumento da meta de déficit primário, desde que temporário, não deverá ser visto com apreensão, sob a hipótese de manutenção da regra do teto”, considera.

A meta atual é de déficit primário de R$ 124 bilhões para 2020. Além do setor de saúde, as medidas extraordinárias deveriam se concentrar na mitigação dos efeitos da crise sobre a renda dos mais pobres, na opinião da IFI.

Há grande chance de frustração no crescimento do PIB deste ano diante dos efeitos da pandemia do coronavírus e da forte queda do preço do petróleo. Segundo a IFI, sua estimativa atual de expansão de 2,2% pode cair a 1,5% ou menos na revisão de cenário, em maio.

Certamente, haverá revisão para baixo nas receitas e para cima nas despesas, resultado do combate à pandemia. Só a queda do preço do petróleo pode afetar a arrecadação federal de R$ 15 bilhões a R$ 17 bilhões, calcula a instituição.

Outros efeitos da crise sobre a economia brasileira seria a queda na demanda e no preço das commodities, a restrição à importação de bens intermediários, fuga de capitais para países com menor percepção de risco e menor circulação de pessoas. A combinação desses choques deve interromper a retomada da economia.

Neste cenário, o cumprimento da meta exigiria grande corte de despesas discricionárias. Antes mesmo da mudança, a IFI considerou que o contingenciamento necessário seria de R$ 27 bilhões a R$ 37 bilhões. Agora, este valor teria de subir, se a meta for mantida.

A IFI vê com preocupação as mudanças nos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que aumenta em 2,8 milhões de pessoas o número potencial de beneficiários elegíveis. Se 100% deles passarem a receber o benefício, a despesa adicional seria de R$ 35 bilhões. Em 2020, o impacto seria um pouco menor, R$ 26,5 bilhões.