Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Brasil, p. A6

Com crise e queda do petróleo, IPCA abaixo de 3% ganha força

Arícia Martins
Lucas Hirata
Victor Rezende 


A frustração com o crescimento, já anterior à crise do coronavírus, e a possibilidade de que a doença tenha efeitos negativos maiores sobre o nível de atividade, combinadas à queda do petróleo, devem reduzir ainda mais a inflação no Brasil. Embora não seja consenso, ganha espaço entre agentes do mercado a percepção de que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vai ficar abaixo de 3% em 2020. Com o indicador mais distante da meta para o ano, de 4%, aumenta a pressão para que o Banco Central seja mais agressivo no corte de juros.

O boletim Focus, do BC, mostrou que a mediana de estimativas para o indicador oficial de inflação no ano caiu 0,1 ponto, para 3,1%. Já o “Top 5” de curto prazo, grupo de cinco instituições que mais acertam projeções nesse horizonte, espera aumento de 2,9%. Diante do choque externo negativo, já há quem veja chances de que o IPCA encerre 2020 abaixo do piso do regime de metas para o período, de 2,5%.

As taxas implícitas nos títulos indexados à inflação (NTN-Bs) mostram que o mercado já precifica IPCA abaixo de 2%. Segundo cálculos da corretora Renascença, a NTN-B para agosto de 2020 indica inflação de apenas 1,46%. Já o título que vence em maio de 2021 aponta alta de 3,2% do índice.

O choque na economia provocado pelo novo coronavírus tem fatores desinflacionários “muito fortes” e já acarreta alguma desancoragem nas expectativas para 2021, aponta o economista-chefe da MZK Investimentos, Luis Fernando Azevedo, que projeta alta de 2,8% para o IPCA em 2020. No Focus, o consenso para a inflação do próximo ano caiu a 3,65%, 0,1 ponto abaixo da meta. Foi a primeira alteração nessa estimativa desde dezembro de 2018.

“Já vimos um movimento forte no Focus. Se tivermos uma redução na circulação de pessoas, a chance de o PIB ser menor, somada aos preços de commodities mais baixos, gera um fator desinflacionário grande”, diz

Azevedo. Assim, defende, o BC deve reduzir a Selic em 0,5 ponto na reunião de amanhã do Comitê de Política Monetária (Copom). Segundo o economista, a cotação menor do petróleo parece “que veio para ficar”, e a trajetória em dólares da commodity mostra que há espaço para queda nos preços internos da gasolina. “É um fator estrutural e desinflacionário. ”

Essa também é a visão do economista-chefe da Vinland Capital, Aurelio Bicalho, para quem o IPCA terá alta de 2,6% no ano. Em seus cálculos, a queda dos preços das matérias-primas mais do que compensou a escalada da moeda americana. O dólar, diz, é apenas uma das variáveis que afetam a inflação.

“As commodities estão em queda, as expectativas de inflação para 2020 e 2021 estão em queda e abaixo da meta, e a atividade será muito mais fraca. Todos esses outros fatores são desinflacionários e preponderantes em relação ao dólar para determinar a dinâmica futura da inflação. Portanto, o BC pode cortar os juros”, disse Bicalho.

Carlos Thadeu de Freitas Filho, economista-chefe da Ativa Investimentos, já previa avanço de 2,9% da inflação em 2020 há cerca de um mês e meio. Com a decepção sobre a alta do PIB no último trimestre de 2019 e indícios de desaceleração no começo do ano, já era de se esperar que a inflação de serviços, que representa cerca de 35% do IPCA e é bastante  relacionada à atividade, encerraria o ano mais perto de 3%, diz Freitas Filho.

Recentemente, a corretora rebaixou sua estimativa para a alta do IPCA no ano a 2,5%, incorporando “ajustes marginais” em setores nos quais o medo do vírus deve segurar reajustes. A princípio, os preços com maior potencial de redução seriam os de passagens aéreas e recreação, aponta o economista, mas os serviços como um todo tendem a ser afetados.

Freitas Filho segue prevendo inflação de 3% para os serviços no ano. Numa hipótese mais drástica, com aumento de 2% neste conjunto de preços, o IPCA também subiria 2% no período, calcula. “No domingo, os shoppings já estavam totalmente vazios. Certamente os preços vão ceder.” Neste quadro, avalia, o Copom deve cortar a Selic em 0,75 ponto nesta semana.

O cenário está muito incerto, pondera Alfredo Binnie, economista da gestora Kapitalo, mas as commodities mostraram depreciação mais forte do que o real ante o dólar. “Pode ter algum problema de oferta por causa do vírus, mas a princípio vai ser mais que compensado pela queda de demanda”, diz Binnie, que estima alta de 2,6% para o IPCA em 2020.

Para Renato Pascon, gestor de renda fixa e multimercado da Franklin Templeton, uma “tempestade perfeita” deve derrubar a inflação brasileira no ano para abaixo de 3%, ou até mais perto de 2,5%. Além do colapso nos preços de petróleo e da atividade fraca, Pascon menciona que o volume de chuvas entre o fim do ano passado e o começo de 2020 ficou acima da média, levando a revisões para baixo nos preços de energia.

Segundo Pascon, os preços de proteína animal são outro fator de alívio para o IPCA. O Brasil aumentou muito a oferta para sanar a demanda da China em razão da peste suína que afetou o país. “Mas a demanda não aumentou tanto quanto os chineses esperavam, e agora está sobrando oferta com muita produção”, explicou.

O economista-chefe do banco Fibra, Cristiano Oliveira, cortou a previsão para a alta do IPCA em 2020 em 0,3 ponto, a 2,6%. Em sua visão, os impactos da covid-19 sobre a economia são “recessivos e desinflacionários”. Tendo em vista que há riscos de que o IPCA fique abaixo de 2,5%, o Copom deveria adotar uma estratégia agressiva, diz Oliveira, que espera corte de um ponto na taxa básica de juros.

Os economistas do ASA Bank concordam com a avaliação de que o coronavírus tem efeito de baixa sobre o IPCA. A projeção para a alta da inflação oficial neste ano, de 2,7%, “tem boa chance de ser revista para abaixo do piso da meta, com impactos negativos na projeção de 2021, atualmente em 3,5%”, afirmam.