Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Brasil, p. A6

Socorro a Estados e municípios é debatido

Fabio Graner


Diante da crise do coronavírus, governo estuda novos mecanismos para dar socorro financeiro aos Estados e municípios. Há na mesa da equipe econômica ideias como garantir o nível de repasses dos fundos de participação dos municípios (FPM) e dos Estados (FPE), que tendem a sofrer um forte baque à medida que a economia perder força e a arrecadação de impostos cair.

O dispositivo foi acionado na crise de 2008/9 e demandaria a edição de uma medida provisória. Uma alternativa pode ser definir um volume fixo adicional a ser repassado aos entes a partir de uma previsão de perda de receitas, sem vincular ao volume original do FPM/FPE, o que travaria o risco fiscal da União. Essa transferência também poderia ser via o que seria operacionalmente mais rápido e depende de MP. De qualquer forma, se a ideia for adiante, reforçará a necessidade de se revisar a meta de déficit fiscal - caso contrário, o governo terá que cortar outras despesas.

A preocupação maior que norteia a discussão sobre garantir o FPM/FPE é com a situação fiscal dos municípios, que têm ação mais direta no combate à epidemia e também devem sentir mais duramente os efeitos da crise econômica.

Apesar da discussão, o governo tem buscado mostrar bastante cuidado com a questão fiscal, mesmo no quadro de reconhecido agravamento da crise, e isso pode ser um fator a dificultar uma decisão de ajuda aos entes da federação.

Outra proposta levantada nas discussões permanentes do governo é uma reunião extraordinária da Comissão de Financiamento Externo (Cofiex) que aceleraria a liberação de autorizações de empréstimos internacionais aos entes, com garantia da União. Não há um calendário público de reuniões ordinárias, mas normalmente elas ocorrem quadrimestralmente, em abril, agosto e dezembro.

Se houver uma aceleração nas liberações dos empréstimos que dependem do Cofiex, contudo, não haveria impacto no curto prazo, lembram fontes do governo. É que, entre a autorização e o efetivo desembolso do recurso, o processo leva no mínimo quatro meses. Mas acelerar esses processos poderia ajudar um pouco mais os Estados à frente, quando ainda estarão sentindo os efeitos fiscais da crise, mesmo que a questão médica já tenha sido debelada.

Apesar da possibilidade de antecipar as liberações, ainda não há previsão de aumento no volume de garantias a serem concedidas, ou seja, de dinheiro que ao longo do ano seria autorizado.

Para o economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Economia e titular do Observatório Fiscal do Ibre/FGV, faz todo sentido o governo adotar a ideia de garantir o montante de repasses do FPM/FPE nesse período de crise. Poderia até, na visão dele, pensar em elevar esse montante de recursos a serem repassados, dado que Estados e municípios devem perder receitas próprias com a crise, não só a parcela que é fruto de divisão da arrecadação de Imposto de Renda e IPI. “Do ponto de vista macroeconômico é sem dúvida uma coisa importante a se fazer”, disse.

Além disso, destaca Pires, os entes federativos, diferentemente do que ocorreu na crise de 2008, devem ter um problema adicional (a forte pressão de gastos com saúde pública), além de áreas como segurança e limpeza públicas. Nesse quadro, claramente um reforço de caixa será necessário. “Esta crise é intensiva em serviço público”, salientou o economista.

Outra nuance que ele aponta é que, diferentemente da crise econômica ocorrida no fim da década passada, quando Estados e municípios surfavam na onda de crescimento econômico e alta de preços de commodities como o petróleo, a atual ocorre com muitos Estados e municípios em penúria fiscal, já com atrasos de salários, inadimplência com fornecedores e emprestadores. “A situação agora parece mais grave que em 2008, sob esse aspecto. O ponto de partida é muito pior agora porque diversos Estados estão quebrando”, comentou.