Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Brasil, p. A4

Para analistas, direção é correta, mas prazo gera dúvidas

Hugo Passarelli
Marta Watanabe


O pacote para conter os efeitos do coronavírus na economia vai na direção correta ao reduzir o aperto nas condições financeiras de empresas e famílias e combina com o aumento de liquidez recentemente promovido pelo Banco Central e o Comitê Monetário Nacional (CMN), afirmam economistas. No entanto, há dúvidas se as medidas, na maioria concentradas num horizonte de três meses, serão suficientes para sustentar a atividade quando a epidemia for contida.

Em sua maioria, as medidas preveem liberação de recursos já existentes, como os do PIS/Pasep, ou adiamento no pagamento de impostos ou contribuições sobre a folha de pagamento pelas empresas, o que é bem visto em um momento de interrupção da atividade econômica.

Por outro lado, ilustram a falta de espaço fiscal no orçamento para se promover medidas contracíclicas de porte neste momento, afirma o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski. “As medidas podem ser úteis no momento para prover algum alívio temporário, já que em sua maioria são apenas deslocamento intertemporal de despesas”, afirma. Ele destaca que há pouca criação de despesa nova, como os R$ 3,1 bilhões para o programa Bolsa Família.

Secemski ressalta que foi justamente pelo orçamento apertado que o ministro da Economia, Paulo Guedes, começou o anúncio com reforço para aprovação de reformas estruturantes, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo e o Plano Mansueto.

“São complementares à ação do BC e do CMN. Com elas, você facilita o oferecimento ou renegociação de crédito por empresas e famílias e, ao mesmo tempo, evita que a demanda doméstica vá a zero”, afirma José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

“É uma crise supostamente passageira, então você tem de tratar mesmo com medidas provisórias. O que você precisa é preservar a atividade positiva nesse momento de paralisia par evitar destruição de capital”, afirma Camargo.

Alguns analistas, porém, consideram que as medidas são “tímidas” e “ajudam pouco” frente à magnitude esperada para a crise.

O economista Kleber Castro destaca que as medidas para manutenção do emprego são, em sua maioria, de diferimento, quando se trata do recolhimento de tributos, ou de antecipação, no caso das despesas. “Isso ajuda pouco, infelizmente. Pode adiar o problema, mas dada a agressividade da crise, especialmente no setor de serviços, as empresas vão perder dinheiro a um ponto em que podem quebrar. ” Atrasar o pagamento de impostos em três meses, diz, não vai resolver. “Tem que ter gasto, seja direto, seja via renúncia. Não tem jeito. ”

Uma linha de combate à crise voltada ao emprego, defende Castro, deveria incluir subsídios tributários e oferta de crédito longo e barato, além de carência para dívidas em andamento. Isso tudo, diz o economista, voltado especialmente para as micro e pequenas empresas, que têm baixa capacidade financeira, com pouco capital de giro, e geram a maior parte dos empregos formais.

O economista e tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, também considera modestas as medidas do governo. Para ele, os diferimentos tributários por três meses não devem ser suficientes. As medidas que estão sendo adotadas nos países europeus, vão muito além. No campo tributário, diz Fleury, as empresas necessitam de parcelamento de acordo com a queda do nível de faturamento e por tempo mais longo. Ele receia que as empresas ainda terão dificuldades de capital de giro ao fim de dois ou três meses e também defende que sejam abertas linhas de financiamento específicas e de acesso facilitado para as empresas que, segundo ele, já sentem dificuldades. “Esse crédito precisa cair nas mãos das empresas para que não se corra o risco de empoçamento nos bancos. ”

Fleury também defende que os contratos possam ser flexibilizados, inclusive os trabalhistas, com possibilidade de redução de vencimentos com diminuição proporcional de jornada de trabalho, o que pode assegurar a manutenção de empregos.