Título: Menos armas, menos violência
Autor: Marco Maciel*
Fonte: Jornal do Brasil, 21/10/2005, Outras Opiniões, p. A11

O Brasil se caracteriza hoje, infelizmente, como um país que integra o ranking das nações com alto nível de violência. É constrangedor constatar que, em que pesem as medidas adotadas ao longo dos anos, a violência continua a penalizar a população e a desafiar as autoridades.

A aprovação pelo Congresso Nacional do chamado Estatuto do Desarmamento é o resultado de um esforço para melhorar o desempenho de nossas instituições, sobretudo as ligadas à segurança pública, oferecendo ao país um conjunto de medidas voltadas para a redução da criminalidade. Evitar o porte de armas de fogo, promover o desarmamento da população e desestimular a fabricação de tais armas são providências que concorrem para reduzir os níveis de violência, razão pela qual, no referendo deste domingo (23), meu voto será o ''sim''.

Cabe, entretanto, advertir que a simples proibição da venda de armas não vai, em absoluto, acabar com a violência. Não podemos gerar a vã expectativa de que somente com essa medida vamos, em um passe de mágica, resolver o problema. Faço essas ponderações para que não haja, por parte da sociedade, uma reversão de expectativa - para usar uma expressão do ex-ministro Roberto Campos.

As causas da violência não serão eliminadas ou drasticamente reduzidas sem que se ataquem causas mais profundas, entre elas a desagregação familiar, a necessidade de maiores investimentos em educação, políticas de geração de emprego e ações voltadas para a eliminação da impunidade. É necessário, ainda, um esforço dos governos, das instituições intermediárias e da sociedade como um todo para que se aumente a coesão social de nosso povo.

A ocasião em que nos preparamos para a realização desse referendo serve também para insistirmos num alerta com relação à prática da democracia participativa, ou seja, do recurso à soberania popular: não deve haver uma banalização desse instituto, mesmo porque a sua utilização excessiva pode levar, como ocorre em alguns países, a uma certa apatia do eleitor.

Favorável a medidas destinadas a ampliar a participação popular, tendo inclusive apresentado projeto regulamentando o artigo 14 da Constituição, que dispõe sobre o assunto, entendo que esses mecanismos só devem ser exercitados quando nos encontramos diante de problemas de grande expressão que justifiquem o recurso ao sufrágio popular.

A proibição da comercialização de armas de fogo e munição é, a meu ver, uma matéria que cabia privativamente ao Congresso Nacional dispor, no exercício de sua prerrogativa de legislar, conforme afirmei na ocasião em que o Estatuto do Desarmamento foi discutido no Senado. De mais a mais, sabemos que a consulta popular, além de seu elevado custo financeiro, deixa ao cidadão apenas o ''sim'' ou o ''não'' - algo que elide o debate do assunto em toda sua complexidade.

Umberto Eco, em artigo intitulado ''Votação no ciberespaço'' - publicado em 1997, quando se discutia os passos e os avanços que a União Européia vem adotando -, refere-se a uma ''noção idealizada da democracia ateniense'' como paradigma de democracia direta e traça um paralelo com os anseios da sociedade moderna ao destacar o papel do referendo como instrumento de participação política: ''O que traz o referendo para as discussões é a possibilidade de interpelar todos os cidadãos sobre algumas questões excepcionais, nas quais o juiz supremo deve ser o senso comum (...), mas não sobre problemas que exigem competência específica e, muitas vezes técnica''.

Ilustrativamente, Umberto Eco reporta-se à capacidade limitada do cidadão formar opinião questionando a si mesmo: ''Por que não consegui formar uma opinião a esse respeito, mesmo sendo uma pessoa culta?''. E em seguida responde: ''Porque tenho capacidade de adquirir informações em certos setores, mas não em outros. (...) Eles [os parlamentares]têm tempo para formar uma idéia competente sobre essas questões - e também o dever de fazê-lo''.

*Marco Maciel é membro da Academia Brasileira de Letras.