Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Política, p. A9

Alvos de manifestações, cúpula do Judiciário e do Legislativo reúnem-se

Isadora Peron
Marcelo Ribeiro
Murillo Camarotto 


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, se reuniu ontem com a cúpula do Legislativo. Oficialmente, a pauta foi o avanço do coronavírus no país. Mas a reunião, um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro participar da manifestação que pedia o fechamento da Corte e do

Congresso, foi vista como um recado de união dos outros Poderes direcionado ao Palácio do Planalto.

Segundo apurou o Valor, o encontro entre Toffoli, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já estava previsto, mas foi antecipado, em função da participação de Bolsonaro nos protestos.

A reunião começou a ser costurada na tarde de domingo. Decidiram somar a eles o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para passar o recado de que os dois Poderes estão concentrados em combater a crise, “enquanto o presidente segue minimizando o alcance do vírus”.

“A reunião foi pensada para mostrar nosso compromisso, do Judiciário e do Legislativo, em encontrar juntos uma solução para a crise. Estamos dando a devida dimensão e importância para o problema, o que não tem sido feito pelo presidente”, afirmou um dos participantes do encontro, em caráter reservado.

A agenda fez com que Toffoli, inclusive, antecipasse retorno de viagem ao exterior. Ainda que estejam irritados com o comportamento de Bolsonaro, os presentes afirmaram que a agenda do coronavírus não será afetada.

Os episódios, porém, devem ser assimilados e “levados em consideração, quando houver espaço para novos embates políticos”, o que deve ocorrer apenas no pós-pandemia.

Após o encontro, Toffoli foi questionado por que Bolsonaro não havia sido convidado, mas desconversou, e disse que o Executivo foi representado por Mandetta. “As manifestações não foram pauta da reunião”, disse.

Pela manhã, o ministro Marco Aurélio Mello classificou o protesto como “antidemocrático”. “As manifestações foram um movimento antidemocrático. Não interessa a quem quer que seja enfraquecer as instituições. ”

Ele também fez uma crítica indireta ao fato de Bolsonaro ter participado da manifestação, em meio ao avanço do coronavírus. “E agora, o presidente está ou não infectado? ”, indagou.

A conduta de Bolsonaro também foi alvo de críticas no Ministério Público Federal (MPF), apesar de o procurador-geral da república, Augusto Aras, ter evitado se manifestar. Ele anunciou apenas a criação de um gabinete integrado para acompanhar a epidemia.

Nos bastidores do MP, procuradores fizeram críticas à postura do presidente, mas oficialmente não houve nenhum posicionamento. Em uma nota divulgada pela manhã, o órgão se limitou a informar que eventuais representações protocoladas contra Bolsonaro serão analisadas de forma técnica.

Os procuradores também concentraram a crítica sobre os aspectos relacionados à saúde pública, como o crime de “infringir determinação do poder público destinada a impedir a propagação de doença contagiosa”.