Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Internacional, p. A10

Comércio mundial deve perder € 530 bi por trimestre de crise
Assis Moreira


A pandemia de coronavírus deverá causar perdas de € 530 bilhões por trimestre no comércio mundial, ameaça de insolvência cerca de 13 mil empresas na Europa e pode elevar a taxa de falência global para 13% neste ano. É o que prevê Ludovic Subran, economista-chefe do grupo alemão Allianz e da Euler Hermes, em entrevista ao Valor. Sua equipe teve de revisar suas projeções diante da aceleração da pandemia e das restrições adotadas pelos governos.

O cálculo inicial era de que o comércio mundial perderia € 25 bilhões por semana, ou € 320 bilhões por trimestre, levando em conta medidas de confinamento na China e Itália e restrições limitadas em outros países, segundo o grupo alemão e sua subsidiária Euler Hermes, uma das maiores empresas globais de seguro de crédito.

Agora, com fronteiras fechadas na Europa, confinamento e distanciamento social impostos em muitos países, e cancelamento de voos, Subran elevou a estimativa de prejuízo para € 530 bilhões por trimestre nos fluxos comerciais.

“No primeiro semestre isso resultará em perda de € 1 trilhão no comércio mundial, porque está tudo parado”, distribuídos igualmente para a China, EUA e Europa, cada um com um terço, afirmou.

O economista alterou ainda a expectativa de formato da recuperação. Antes previa uma retomada em forma de “V”, queda rápida da economia seguida de retomada também rápida. Agora prevê um “U”, com queda rápida, estagnação e só depois uma recuperação.

A expectativa é de um atraso de dois trimestres na retomada da atividade. “Será difícil para a China sair dessa forte crise”, diz o economista. “Na Europa, as medidas adotadas representam transferência de encargos do setor privado para o setor público, para proteção da renda das famílias e das companhias, já que todo mundo tem muita dívida. Mas o consumo cai com o confinamento. Assim, haverá bem mais consumo mais tarde; 60% do consumo ficou para o segundo semestre”, acrescentou.

A International Chamber of Shipping estimou recentemente que o surto do vírus retirou mais de 350 mil contêineres do comércio internacional. O setor de transporte marítimo global poderá ter queda de 20% a 25% neste ano.

Enquanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) previa até o começo do ano crescimento de 2,6% nas trocais globais em volume em 2020, Allianz e Euler Hermes estimam agora queda importante. O comércio mundial deve encolher 1% em termos de volume; em valor, a queda será de 6,5%.

Nesse cenário, Subran estima que, na Europa, 13 mil empresas estão ameaçadas de insolvência.  Globalmente, diz o economista, a estimativa agora é de aumento de 13% na insolvência em relação a taxa de 9% do ano passado - que foi então atribuído principalmente à China.

Ele nota, porém, que na crise financeira de 2008 a taxa de insolvência chegou a 20%. “O risco agora nos mercados é de empresas de transporte aéreo, energia, telecomunicações serem as mais vulneráveis [à falência] porque têm um endividamento muito alto. ”

Sobre o Brasil, Subran vê impacto do coronavírus de 0,3 ponto percentual no PIB no primeiro trimestre. Projeta crescimento econômico inferior a 1% em 2020. O Brasil é afetado por dois canais de propagação: o comércio menor com China e a Europa, e os preços em queda das matérias-primas.

Mas se o Brasil também adotar medidas de restrição no nível dos europeus, o impacto negativo será maior na economia, variando de 0,7 a 3 pontos percentuais do PIB, dependendo do grau de pânico no país. O cenário também é de uma recuperação em “U” para o Brasil.

“O Banco Central brasileiro tem margem para agir. E o país não terá crise de balança de pagamentos, pois tem US$ 350 bilhões de reservas internacionais”, diz Subran.

Quanto ao seguro de crédito, a demanda subiu em decorrência da crescente incerteza e da guerra comercial entre EUA e China. Beneficiou principalmente companhias privadas, como a Euler Hermes em 2019, enquanto as agências públicas são mais especializadas em países onde as seguradoras de crédito privadas não operam, como mercados emergentes, que tiveram baixa de exportação em 2019.