O Globo, n. 32569, 08/10/2022. Opinião, p. 2

Cor­tes em edu­ca­ção são ina­cei­tá­veis



No afã de se reeleger, o presidente Jair Bolsonaro abriu a torneira dos gastos. Ampliou valor e alcance do Auxílio Brasil, criou programas eleitoreiros como bolsa-caminhoneiro e bolsa-taxista, antecipou o pagamento de benefícios e assim por diante. Era inevitável que, para equilibrar as contas, precisasse promover cortes no Orçamento. A questão é a natureza dos cortes. Mais uma vez, na hora de conter despesas, o governo avança sem constrangimento sobre setores essenciais, como educação, comprovando a falta de comprometimento com a melhoria do ensino — prioridade máxima para o desenvolvimento.

Diante da grita generalizada das universidades públicas e dos danos previsíveis à campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, o ministro da Educação, Victor Godoy, publicou ontem um vídeo informando o desbloqueio dos recursos de universidades, institutos federais e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Ele não deu detalhes sobre valores. A decisão é correta, mas só foi tomada depois da repercussão negativa, para corrigir um equívoco inaceitável. Na quinta-feira, o próprio ministro havia minimizado o contingenciamento, alegando se tratar apenas de “limitação na movimentação financeira” do MEC. Afirmou ainda que as universidades usavam o tema politicamente.

Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), houve bloqueio de R$ 3 bilhões no Orçamento do Ministério da Educação para 2022 (fora os R$ 2,4 bilhões já cortados na comparação com a dotação orçamentária original). O setor já vem cambaleando em meio à escassez de recursos e ao crescimento das despesas. Nas universidades, colégios e institutos federais, ameaçados de perder R$ 328 milhões (ou R$ 763 milhões, se somados os cortes desde 2021), a notícia gerou uma onda de desespero. Reitores se puseram a fazer cálculos para saber como — e se — conseguiriam terminar o ano letivo. Faltaria dinheiro para despesas básicas, como contas de água e luz. Com o bloqueio, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) poderia ter de fechar as portas. O impasse se repetia noutras instituições país afora.

Tão absurdo quanto o corte em áreas essenciais é a falta de transparência do governo sobre o contingenciamento. O decreto de reprogramação orçamentária, publicado no Diário Oficial, não detalhou onde seriam feitos os bloqueios. A análise da IFI mostra que, além da Educação, onde houve o corte mais drástico, foram afetados os ministérios de Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 1,7 bilhão), Saúde (R$ 1,6 bilhão), Desenvolvimento Regional (R$ 1,5 bilhão) e Defesa (R$ 1,1 bilhão).

É inevitável que o governo tenha de remanejar o Orçamento depois da gastança em ano eleitoral, promovida para favorecer a reeleição do presidente. Mas precisa assumir o ônus da situação que ele mesmo criou. É essencial explicar aos brasileiros onde e por que os cortes serão feitos, independentemente do efeito na campanha eleitoral.

Jamais haverá justificativa, obviamente, para escolher a Educação como alvo preferencial. O ensino em todos os níveis sofreu impacto brutal na pandemia. A paralisação de escolas e universidades causou prejuízos incalculáveis, que precisam ser recuperados com urgência. Voltar a fechar salas de aula, desta vez pela inépcia do governo em se planejar, só agravaria a tragédia.