Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Empresas, p. B1

Doze novos testes esperam registro para venda

Gabriel Vasconcelos


Fabricantes e importadores da área de biologia molecular têm, pelo menos, 12 testes diferentes voltados à covid-19 à espera de autorização de comercialização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), segundo a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL).

O grupo francês bioMérieux anunciou na semana passada três novos testes para detectar a covid-19. De acordo com o presidente da subsidiária brasileira, Fernando Oliveira, unidades do primeiro tipo de teste chegam ao Brasil nesta semana para ser distribuídas depois de aprovação da Anvisa.

A farmacêutica Roche, que apoia iniciativas internas de quatro laboratórios-clientes com um teste lançado em janeiro, anunciou teste rápido para diagnóstico em três horas e meia. Aprovado pela autoridade sanitária dos Estados Unidos na sexta-feira, o produto do grupo suíço deve chegar ao Brasil nas próximas semanas. Já a importadora Dmed pede autorização para comercialização de teste da espanhola Genomica, que permite resultado em somente duas horas.

Os testes em execução no país hoje têm número e distribuição limitados. De acordo com o presidente-executivo da CBDL, Carlos Eduardo Gouvêa, os exames que a população pode acessar hoje ou são produzidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e destinado às unidades públicas de referência, ou foram desenvolvidos na modalidade de pesquisa por laboratórios privados de medicina diagnóstica, como o Einstein e Fleury.

Esses laboratórios usam insumos e tecnologia de multinacionais da biologia molecular e são autorizados a vender o serviço aos pacientes de suas redes. Entretanto, por lei e pela falta de capacidade de produção, não podem vender seus testes para outros laboratórios. Como o número de pacientes suspeitos no Brasil ainda é muito inferior ao de países no centro da crise, como os europeus, a sistemática tem se mostrado suficiente e não tem representatividade comercial.

Mas, com o avanço local da epidemia, unidades de saúde privadas, e mesmo públicas, tendem a depender dos testes fabricados pela indústria. O presidente do sistema Einstein, Sidney Klajner, concorda: “Estamos aguardando os kits comerciais, que devem ser disponibilizados em algumas semanas ou meses”, diz. O Einstein lidera o atendimento privado a pacientes graves com suspeita de covid-19 no país e cobra cerca de R$ 150 por teste. A rede afirma praticar somente o preço de custo.

A maior parte das iniciativas privadas mundo afora partem da chamada tecnologia PCR, que usa enzima capaz de multiplicar e extrair a carga genética do vírus incidente para identificação de sequências genéticas do novo coronavírus, caso esteja na amostra de mucosa nasal recolhida com o swab, espécie de cotonete especializado.

A resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), da semana passada, que obriga planos de saúde a incluir o teste para covid-19 em sua cobertura, é encarada pelos laboratórios privados como um indicativo de que de que as próprias autoridades brasileiras preveem escalada na demanda por testes.

A expectativa é reforçada por declarações como a do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, ontem: “Temos uma mensagem simples para todos os países: testem, testem, testem. Testem todo caso suspeito de covid-19. Se o teste der positivo, isole e descubra quem esteve em contato com a pessoa em até dois dias antes dos primei

Oliveira, da bioMérieux, diz que o primeiro dos três exames criados pela empresa custará entre € 50 e € 60 para laboratórios e hospitais, que devem acrescentar o valor do serviço no preço ao consumidor. Haveria negociações com os laboratórios Einstein e Sabin.

Mas o executivo da bioMérieux afirma que a opção será “pontualmente consumida” no início de crise por exigir maquinário complexo e produzir diagnóstico em 24h. A maior aposta, diz, são os demais exames, em fase final de desenvolvimento pelo grupo francês. Além da tecnologia PCR, esses testes usam o FilmArray, sistema apoiado em máquina portátil capaz de catalizar o processo e entregar resultado em uma hora para monoteste da Covid-19 ou em painel com outros vírus. Os primeiros kits, para o teste único, devem chegar ao mercado em abril. A fabricação é responsabilidade da subsidiária BioFire, no EUA, que foi adquirida pelo grupo francês em 2013, por € 342 milhões.

Mesmo sem testes comercializados, Oliveira diz experimentar aumento sem precedente nas vendas dos testes FilmArray para outras viroses respiratórias, encaradas como uma primeira etapa para descarte da Covid-19 em pacientes suspeitos. “Em termos de venda de painéis respiratórios, já estamos cerca de 200% acima da projeção de vendas para este verão”, diz.

Os pedidos pelo sistema de testes da bioMérieux têm vindo, principalmente, de hospitais militares e da rede privada fora do eixo Rio-São Paulo, já saturado. Com a alta, a empresa espera que a fatia do produto na receita total da filial suba de 12% para mais de 20%. Em 2019, a bioMérieux teve receita de R$ 190 milhões no Brasil, apenas a décima no mundo. A receita global fora de € 2,7 bilhões.

Ao Valor, a Anvisa informou que ainda não há produtos para diagnóstico da nova doença registrados no Brasil, mas que vai “priorizar a análise dos processos relacionados” em função da declaração de emergência em saúde pública pelo Ministério da Saúde. Além da celeridade nas análises, a CBDL pleiteia uma resolução específica da Anvisa para análise remota das boas práticas de fabricação ou que a verificação seja realizada por outra autoridade competente.

Com relação a testes fabricados pela Fiocruz, o Ministério da Saúde informou já ter distribuído mais de 9 mil kits para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacens). O governo federal prevê distribuir 30 mil testes. Além das unidades de referência Nacional (Fiocruz e institutos Adolfo Lutz e Evandro Chagas), só os laboratórios estaduais de São Paulo, Pará, Goiás e Rio Grande do Sul estão aptos a testar para coronavírus. De acordo com o governo, os demais 23 Lacens serão capacitados “até a próxima semana”.