Valor Econômico, v. 20,
n. 4961, 17/03/2020. Finanças, p. C1
Mercado trabalha com
corte de até 1 ponto da Selic
Victor Rezende
Lucas Hirata
Marcelo Osakabe
O corte extraordinário nos juros americanos pelo Federal Reserve (Fed) no
domingo deixou ainda mais nublado o cenário para os rumos da Selic, em um
momento bastante conturbado no mercado financeiro. A ação do banco central
americano foi seguida por outras autoridades monetárias ao redor do globo, o
que elevou a pressão para que cortes mais agressivos no juro básico sejam
efetuados no Brasil.
Alguns analistas
cogitaram até mesmo uma redução emergencial da Selic, nos moldes do Fed - algo
que elevou o grau de ansiedade no mercado durante todo o pregão, mas não se
confirmou ontem. Ainda assim, a magnitude da ação do BC é alvo de discussões
entre os agentes financeiros, que agora esperam redução de até 1 ponto
percentual da Selic no fim da reunião tradicional do Comitê de Política
Monetária (Copom) amanhã.
“Não consigo entender
por que o BC ainda não fez um corte emergencial nos juros”, diz o diretor de
investimentos da Persevera Asset Management, Guilherme Abbud. Para ele, a
autoridade monetária brasileira deveria fazer uma redução de 1 ponto percentual
na Selic e estar à frente do mercado. “Achamos há bastante tempo que o BC está
errado na avaliação de que a economia se recuperaria de forma importante. BC
não pode ser somente reativo. Tem de liderar o mercado em direção a um corte
forte, rápido e duradouro nos juros ou ele não consegue dar o apoio de que a
economia precisa. ”
Além da Persevera,
outras instituições financeiras elevaram a pressão por um corte emergencial na
taxa básica de juros após a ação do Fed. Mauá Capital, UBS e ASA Bank são
algumas das casas que, desde o início do dia, esperavam por um anúncio
extraordinário do BC de um corte emergencial de 1 ponto na Selic, que seria
levada dos atuais 4,25% para 3,25%.
Mesmo que o corte não
tenha sido antecipado, existe agora uma expectativa entre boa parte dos
analistas de que o ciclo de afrouxamento monetário será bastante intenso. A XP
Investimentos, por exemplo, agora espera que a Selic feche 2020 em 2,75% - um
ponto a menos que a projeção anterior, de 3,75%.
“Trata-se de uma
situação complexa. Por um lado, a desaceleração econômica mais acentuada e a
queda dos preços de commodities terão um efeito deflacionário e isso abre
margem para cortes mais agressivos. Por outro lado, a taxa de câmbio,
atualmente em R$ 4,85 por dólar, pode subir ainda mais a depender do tamanho da
ação do BC”, afirma Marcos Ross, economista sênior da XP. Para ele, um corte
pronunciado de juros tem potencial de levar o dólar para R$ 6 ou até mesmo R$
7. Por isso para esta semana, a XP espera um corte de 0,50 ponto percentual na
Selic.
A ARX Investimentos
também passou a contemplar cortes adicionais nos juros neste ano. O cenário
atual é tão fluido que, na sexta-feira, a expectativa na casa era de manutenção
da taxa em 4,25%. Para a economista-chefe, Solange Srour, a bateria de
estímulos globais anunciada ao longo do fim de semana deve levar o BC a cortar
o juro entre 0,75 ponto e 1 ponto percentual na Selic. No entanto, para a
economista, as medidas pouco ajudarão sem uma atuação mais agressiva do governo
por meio de estímulos fiscais para ajudar as empresas a sobreviverem ao que
pode ser um longo período de quase inatividade. Para ela, “deixar o BC tentar
segurar sozinho a economia não vai dar em nada. "
Para o economista-chefe
da Vinland, Aurelio Bicalho, a economia brasileira precisa de, pelo menos, 1,25
ponto percentual em cortes de juros nos próximos meses. “O BC pode fazer uma
boa parte disso agora, até de forma extraordinária, ou fazer a passos mais
graduais, como sinalizou. Nas circunstâncias atuais, deveria fazer rápido”,
defende o economista, apontando, ainda, para movimentos de outros bancos
centrais. Ontem, depois de o Fed derrubar seus juros a quase zero, os BCs do
Chile, da Coreia do Sul e da República Tcheca também realizaram reuniões
extraordinárias de corte, o que ajudou a jogar para baixo as taxas futuras de
curto prazo.
“Há um choque negativo
muito forte na atividade econômica vindo da demanda externa, mas também da
demanda interna. E esse choque vai reduzir a inflação à frente. Por isso, os
BCs estão reagindo com mais estímulos e o nosso BC deve fazer o mesmo”, diz
Bicalho. Para este ano, a Vinland trabalha com 0,5% de crescimento do PIB e
alta de 2,6% do IPCA - número bem abaixo da meta de inflação do BC, em 4%.
Um tom mais cauteloso,
contudo, é visto na Kapitalo. O economista da gestora, Alfredo Binnie, defende
uma redução de 0,25 ponto na Selic nesta semana. Ele reconhece que as chances
de uma atuação mais agressiva têm aumentado. No entanto, Binnie afirma que a
política monetária no Brasil e nos emergentes deveria ser conduzida com “mais
cuidado”, tendo em vista que a dinâmica aqui é diferente do que a de economias
desenvolvidas. “As atuações do Fed e de outros bancos centrais de economias
desenvolvidas são inequivocamente boas para ativos financeiros. Aqui, o impacto
no mercado de juros e no câmbio é mais incerto, porque os ativos locais
carregam mais prêmio de risco. Pode ter algum efeito colateral”, afirma.
Ontem, na B3, a
percepção de que o Copom deve entregar um corte mais agressivo na Selic
derrubou as taxas futuras de curto prazo. Por outro lado, os juros mais longos
recuaram em ritmo mais lento, ainda embutindo bastante prêmio de risco. Essa
diferença, conhecida como inclinação da curva de juros, ocorre tipicamente em
momentos de dúvidas sobre futuros passos da política monetária.
“O mercado coloca um
corte de 0,50 ponto da Selic no curto prazo, mas embute uma correção de até 1,4
ponto de alta ainda este ano. Não espero tudo isso, mas é importante ressaltar
que, no contexto atual, a dinâmica do mercado não tem somente fundamento por
trás, mas também incorpora risco”, afirma o economista-chefe do Haitong, Flavio
Serrano.