Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 17/03/2020. Finanças, p. C3

Bancos médios estão ‘líquidos, sólidos e capitalizados’, diz presidente da ABBC

Entrevista: Ricardo Gelbaum, Presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC)


Os bancos pequenos e médios estão “líquidos, sólidos e capitalizados”, apesar do crescimento que vinham experimentando desde o segundo semestre do ano passado. A afirmação é de Ricardo Gelbaum, presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa instituições financeiras de menor porte, bancos digitais e estrangeiros.

Para Gelbaum, os bancos médios estão mais fortes para atravessar a crise do coronavírus, que é aguda, mas deve durar poucos meses. Segundo ele, é positivo que a Caixa tenha R$ 30 bilhões para adquirir carteiras de crédito dessas instituições, mas não quer dizer que elas terão de recorrer a esse expediente. Leia os principais trechos da entrevista.

Valor: Como está a situação dos bancos pequenos e médios diante do agravamento da crise?

Ricardo Gelbaum: A reversão de cenário é muito recente. Até um mês atrás, todo mundo estava falando em crescimento da carteira de crédito, o mercado estava líquido, alguns falando em IPO e num cenário nunca visto antes no Brasil com Selic baixa por um período tão longo. De repente, estamos falando do que a gente viu nos EUA, Itália e França e do que vai chegar no Brasil, principalmente seus impactos econômicos. Vemos um cenário em que, apesar de a Selic estar baixa, o dólar está em recorde de alta, e a bolsa saiu em três semanas de 120 mil para 70 mil pontos. É uma coisa muito violenta. Mas tem uma coisa que é boa. Os bancos não estavam e não estão alavancados. Estavam em processo de crescimento. Cresceram basicamente no segundo semestre do ano passado, na média.

Valor: Há algum segmento que preocupa mais?

Gelbaum: Na ABBC, há bancos pequenos e médios, mas tem os dois maiores bancos de cooperativa, os digitais, três bancos estrangeiros. Tem uma pluralidade muito grande para que não continue aquele estigma da crise de dez anos atrás, de que bancos médios vão sofrer. Os bancos estão líquidos, sólidos, capitalizados.

Valor: O mercado de crédito vai parar de crescer?

Gelbaum: É uma pergunta difícil de responder porque a crise do coronavírus no Brasil está no seu início. Tem vários diagnósticos de que vai se aprofundar muito nas próximas semanas, a reclusão, o fechamento de serviços, indústrias, companhias de aviação, home office nos bancos, tudo está em processo de crescimento. Então está muito difícil, acho que o segundo trimestre fica muito comprometido e estou torcendo para que no terceiro trimestre a gente veja já uma luz no fim do túnel.

Valor: Existe algum risco para os bancos nesse cenário?

Gelbaum: Acho que não. A supervisão do Banco Central vem de uma forma prudencial bastante ativa desde a gestão passada e foi reforçada por esta. Houve aquela questão de segregar os bancos [classificar conforme o porte para efeitos de regulação]. Não vejo ninguém muito alavancado. Mas tem que acompanhar o que vai acontecer com a captação.

Valor: O que pode acontecer com a captação?

Gelbaum: Quando ninguém quer crescer carteira de crédito, o mercado de captação também fica desarbitrado. Mas não vejo problema, ao contrário. Vejo o sistema bastante sólido.

Valor: Mas já começa a haver um aumento nos custos de captação. Não é um reflexo do risco?

Gelbaum: Não, reflete mais uma arbitragem de passar de um mercado que sempre operou muito mais em percentual do CDI para ou um percentual do CDI bem mais baixo ou para CDI mais. Já vinha acontecendo. Só que o mercado ainda não se estabilizou e vai encontrar, em algum momento, seu preço.

Valor: CMN e Febraban anunciaram medidas voltadas a conter a inadimplência. O que achou?

Gelbaum: Desde a semana passada, tanto BC quanto Ministério da Economia, Tesouro, Febraban e ABBC, todos estão muito sintonizados.

Essas primeiras medidas são todas no sentido de oxigenar, irrigar, tanto para empresas quanto para pessoas físicas, para que a economia, que vai travar, trave menos. Que consiga fluir um pouco melhor. As medidas não são imediatistas, tudo tem seu tempo. A de hoje [ontem] foi numa questão de provisionamento e também de liberação de capital de conformidade. Devem vir medidas pró-consignado, pró-financiamento. Devem vir medidas regulatórias adicionais, como as dos bancos centrais europeu e americano, que estão irrigando e estão ajustando. É um processo. Não dá para dizer ‘essa medida é espetacular, essa aí não vai funcionar’. Tudo faz parte de um processo para mostrar para a sociedade e para o mercado que o sistema está líquido, sólido e que vai parar por um período. Essa crise é temporal, não é como a do subprime, que durou dois anos. A gente só não sabe se são três ou quatro meses, mas ela é temporal.

Valor: A Caixa sinalizou que tem R$ 30 bilhões para comprar carteiras de bancos médios. Isso vai ser necessário? Gelbaum: Nenhum banco me procurou para vender carteira. Vários associados da ABBC têm carteiras que são risco soberano. Tem consignado do setor público, tem carteiras de veículos. Outros têm carteiras de pequenas, médias e grandes empresas. Todo mundo tem ativo bom. Mas é bom saber que tem supervisão, está todo mundo casado, líquido e sólido. Se existe uma pessoa que conhece o mercado financeiro, é o atual presidente da Caixa. O Pedro [Guimarães] conhece a qualidade das carteiras dos bancos da ABBC como ninguém. Tudo depende da forma. É bom saber que a Caixa está com uma linha de R$ 30 bilhões para compra de carteiras, mas não necessariamente os bancos vão usar.

Valor: A crise atrasa as medidas pró-competição que o Banco Central vinha adotando?

Gelbaum: Acho que não muda. O ‘mindset’ do BC e do mercado brasileiro é de open banking, meios de pagamentos, mundo digital. É uma crise temporal. O cronograma agora talvez não seja prioridade, mas as reuniões continuam acontecendo. A prioridade é reoxigenar o fluxo de recursos para empresas, para pessoas físicas para a economia não parar por completo. É um jogo de primeiro, segundo tempo, VAR, prorrogação. Mas o diferente dessa crise, que está muito forte e ainda vai ficar forte, é que ela dura um curto período. Não é uma crise de anos.