O Globo, n. 32570, 09/10/2022. Economia, p. 24

Riscos e oportunidades do perfil do Congresso para o futuro governo

Eliane Oliveira


O próximo presidente só será conhecido no fim deste mês, mas o perfil do novo Congresso, eleito dia 2, é mais conservador e reformista do que o atual, segundo analistas. Há desafios e oportunidades, na agenda econômica, para ambos os candidatos que disputam o Planalto, que terão de negociar apoios fora de suas bases mais confortáveis: boa parcela dos parlamentares eleitos está nos partidos que não apoiam formalmente nenhum dos dois postulantes.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem a seu favor seu histórico de negociador e indica que, se eleito, fará um governo mais ao centro que no passado, mas encontrará um grupo de bolsonaristas maior e mais organizado. Já Jair Bolsonaro (PL), se vencer, terá maior facilidade de conquistar uma maioria de parlamentares.

E, curiosamente, esse é o seu maior risco: ver congressistas focarem mais em pautas de costumes, deixando a economia relegada a segundo plano. A tentativa da ex-ministra Damares Alves (REP-DF) de tentar presidir o Senado é um desses movimentos que podem fazer as reformas perderem vigor, avaliam especialistas.

Analistas ouvidos pelo GLOBO traçam cenários do que pode ocorrer dependendo de quem vencer. E tudo isso em uma Câmara dos Deputados e um Senado mais experientes:

— O grau de renovação da Câmara dos Deputados foi de apenas 44%, um dos mais baixos da história. É de se esperar, portanto, a manutenção da mesma característica da composição atual. Por outro lado, em relação aos que renovaram, percebe-se um perfil mais conservador, alinhado ao atual presidente. Entendo que o cenário é de manutenção, mas com uma acentuação do conservadorismo — diz Cristiano Vilela, sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Nem sempre o posicionamento ideológico garante votações coerentes. A atual legislatura, conservadora e reformista, deu sinais trocados. Assim como aprovou medidas que agradaram ao mercado, como a Reforma da Previdência e a privatização da Eletrobras, deu sinal verde para medidas polêmicas, como a proposta de emenda constitucional (PEC) dos Precatórios — que rompeu o teto de gastos, a trava ao aumento de despesas da União — permitiu benesses em ano eleitoral, como a desoneração de impostos sobre combustíveis e a distribuição de dinheiro a caminhoneiros e taxistas, além de aprovar o piso da enfermagem sem a garantia de verbas para a medida.

Dificuldade para ambos

Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, avalia que tanto Bolsonaro quanto Lula terão que negociar com um terço da Câmara para conseguir maioria:

— Até aqui, Lula tem 30% na Câmara e 20% no Senado, enquanto Bolsonaro tem 38% na Câmara e 31% no Senado. Ambos terão dificuldade para governar.

Rubens Figueiredo, cientista político e diretor do Centro de Pesquisa e Comunicação (Cepac), ressalta que, embora a impressão seja que Bolsonaro terá menos custos para governar, Lula tem grande experiência em negociação:

— Um governo Lula não vai se inviabilizar, embora tenha uma pauta mais estatizante, que deverá favorecer corporações.

Para Sérgio Vale, da MB Associados, um dos pontos relevantes, no caso de Lula, é quem será seu ministro da Economia. Em sua opinião, o Congresso, que ganhou força na gestão de Bolsonaro, poderá manter esse poder a partir do ano que vem.

Piter Carvalho, da Valor Investimentos, diz que Lula terá de recorrer ao centro e, para isso, contará com a ajuda de seu vice-presidente.

Economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini acredita, que, independentemente de quem vencer a eleição, as duas reformas esperadas, administrativa e tributária, serão superficiais. Outro ponto que deverá entrar em pauta, sem profundidade, será o pacto federativo.

Para a economista Camila Abdelmalack, da Veedha, os investidores veem no perfil conservador do Congresso eleito uma “boia de salvação”, pois reduziria a probabilidade de uma agenda intervencionista na economia, em caso de vitória de Lula.

Cristiano Noronha, cientista político e diretor da Arko Advice, destaca que os dois candidatos defendem temas polêmicos no setor financeiro, como a taxação de lucros e dividendos. Bolsonaro fala em alíquota de 10%, enquanto Lula prevê um percentual maior e escalonado por faixa de retirada de recursos.

Atual líder do PT na Câmara e reeleito para mais um mandato, o deputado Reginaldo Lopes (MG) diz que parte dos parlamentares eleitos pelo PL — legenda de Bolsonaro — é de bolsonaristas de raiz. Mas a maioria vem do antigo centrão.

— Vamos construir a governabilidade. Muitos que estão do outro lado já foram da base do governo Lula — comenta Lopes.

Já o vice-líder do PL, deputado Sanderson (RS), também reeleito, avalia que ao seu grupo se uniriam, em caso de vitória do petista, deputados de legendas do centro, formando um bloco de 250 parlamentares, ou quase metade das 513 cadeiras da casa, mesmo se Lula for o vencedor da eleição presidencial:

— O cenário ficou melhor do que o esperado.