Título: Cesar Maia: o 'Não' contra o MST
Autor: Gustavo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 21/10/2005, Rio, p. A15

Prefeito revê posição anterior e diz que proibição da venda de armas pode provocar 'explosão' de violência no campo

Quem cala, consente, diz o ditado. Talvez obedecendo ao dito popular, o prefeito Cesar Maia rompeu o silêncio para dizer Não, declarando seu voto em definitivo na campanha para o referendo de domingo, quando o Brasil inteiro decidirá se o comércio de armas e munições continuará ou não. Depois que a governadora Rosinha Matheus declarou voto Sim há duas semanas e reforçou sua posição domingo passado em manifestação na Lagoa Rodrigo de Freitas, Cesar ponderou e na quinta-feira, por meio de seu blog, enviou um e-mail com sua posição. No documento, intitulado ''Hora Decisiva'', o prefeito do Rio cita os governos de Hitler, na Alemanha dos anos 30, e o atual governo de Hugo Chávez na Venezuela como exemplos de regimes autoritários que se apoiaram no desarmamento da população civil. Pelo menos 4 mil eleitores receberam o e-mail de Cesar. O texto pedia abertamente o voto no Não:

''De hoje a domingo - como em todas as eleições, 25% dos eleitores ainda podem mudar de opinião. É hora de pedir voto, de esclarecer, de informar. O voto no Não é dizer não aos bandidos! Não à violência! Não aos assaltos em condomínios e edifícios e ruas controladas!'', diz o email.

Consultado ontem pelo Jornal do Brasil, Cesar voltou sua munição contra o Movimento dos Sem-Terra (MST).

- O voto Não garante a permanencia da segurança particular de edifícios, condomínios, ruas fechadas e sítios e fazendas. Estamos num país com altas taxas de criminalidade - especialmente os grandes centros metropolitanos - e ainda não temos uma polícia aparelhada. Votar no Sim será votar na insegurança, na explosão dos assaltos a residências e ao comércio, será entregar o campo ao Movimento dos Sem-Terra, que usa armas ilegais.

A declaração de Cesar Maia já provoca indignação nas lideranças do MST no Rio de Janeiro. A dirigente nacional Marina dos Santos, assentada em Campos - onde estava ontem a governadora Rosinha Matheus, por sinal - criticou o prefeito.

- Nós, do MST definimos claramente pela proibição da venda de armas e munição e, de maneira autônoma, apoiamos esta posição independente de que outras entidades ou pessoas a defendam. Tomamos essa decisão de forma unânime, sem nenhuma dúvida e nos esforçaremos para convencer o maior número possível de pessoas sobre essa necessidade - disse Marina, lembrando episódios em que trabalhadores rurais foram alvo de violência.

- No campo, é o trabalhador sem terra que sofre com as armas. Basta lembrar Curumbiara em 95, Eldorado dos Carajás em 96, Felisburgo no ano passado e, neste ano, um sem-terra assassinado a bala em Campos dos Goytacazes, terra da governadora do Estado do Rio. Latifundiários armam seguranças particulares e capangas - também pobres - e tentam impedir pela violência que se cumpra a constituição e realize-se a reforma agrária em terras improdutivas, não o trabalhador.

O deputado estadual Carlos Minc (PT), que coordenada a campanha do Sim no Rio de Janeiro, lamentou que Cesar tivesse revisto a posição tomada anteriormente, que, segundo Minc, era favorável à proibição da venda de armas e munições no Brasil.

- É um oportunismo muito grande de alguém que fica ausente da campanha, no meio dela, mete os pés pelas mãos. Agora que, por causa da polêmica das favelas, a fama de homem da ordem urbana veio abaixo, ele resolve virar casaca aos 44 do segundo tempo.

Minc não concorda com o prefeito, mas admite que é preciso levar o desarmamento para as áreas rurais.

- Os problemas do MST no campo são antigos, somos favoráveis a desarmar tanto o MST quanto os fazendeiros. Agora, nem as milícias dos fazendeiros nem a turma do MST que têm armas compram armas em lojas. É preciso desarmar todo mundo. Agora, acho que Cesar ficou ''queimado'' com a direita por causa da flexibilização em relação às favelas e agora tenta uma reaproximação - disse Minc.

De Campos, a governadora Rosinha Matheus evitou entrar em atrito com o prefeito e continuou defendendo o Sim.

- Sou a favor da vida. Arma gera sempre mais violência. Uma arma nunca pode ser a salvação, temos que lutar é para que as polícias cumpram seu papel, como já acontece no Estado do Rio de Janeiro - disse.

Ativista da campanha do Não no Rio de Janeiro, o tenente Melquisedec Nascimento, presidente da Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas, concorda com o prefeito em relação ao aumento dos assaltos.

- Segurança Pública, como dizem os maiores especialistas, tem a ver com a sensação de segurança. Se o cidadão tem patrulhamento ostensivo e iluminação pública eficiente, ele tem esta sensação de estar seguro. Agora, vamos inverter o sinal e pensar no impacto do Sim para quem vive de roubos a residências no Rio de Janeiro. Aumenta a sensação de segurança em quem deveria viver com medo, que são os bandidos. É preciso ter cuidado - disse.