Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Brasil, p. A6

Projeções de PIB zero despontam com o agravamento da crise

Anaïs Fernandes


A percepção de que o choque do coronavírus no Brasil será mais intenso do que o previsto, aliada ao reconhecimento de que o governo tem pouco espaço para estímulo fiscal, já leva alguns economistas a projetarem crescimento nulo da economia neste ano - ou até negativo.

O Credit Suisse e o ASA Bank cortaram suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 para zero. Antes, estimavam 1,4% e 1,2%, pela ordem. Ambos veem recessão técnica no primeiro semestre, ou seja, dois trimestres seguidos de retração, na comparação com o período anterior. No caso do Credit Suisse, o cenário é de contração de 0,1% no primeiro trimestre e de 1,6% no segundo. Já o ASA prevê quedas de 0,2% e de 1% - estimativas que têm viés de baixa.

“O desempenho da atividade econômica no primeiro trimestre de 2020 foi menos afetado pelos impactos do coronavírus, uma vez que o país foi um dos últimos a apresentar a disseminação da doença. Consequentemente, o impacto do surto de coronavírus nos indicadores econômicos não foi relevante entre janeiro e fevereiro, mostrando os primeiros sinais negativos apenas na primeira quinzena de março”, diz relatório do Credit Suisse.

Segundo o ASA, a depender da velocidade com que a doença se espalhar, medidas de distanciamento social tendem a ser aprofundadas, com relevante impacto sobre a economia. A atividade pode voltar a crescer no segundo semestre, mas a expressiva piora das condições financeiras deve frear a recuperação, de acordo com relatório do banco.

O Credit Suisse também prevê recuperação no segundo semestre, mas afirma que “não é possível excluir uma recessão muito mais significativa”, dependendo do tempo que o governo levar para conter o impacto do vírus. O banco avalia que a resposta da política anticíclica deve ser mais restrita do que na crise de 2008, na frente fiscal e na monetária. Com limitações, o governo tem concentrado medidas de estímulo na antecipação de pagamentos do governo ao setor privado e no adiamento do recolhimento de impostos, que não representam gastos novos, diz o Credit Suisse.

Apesar de o Santander não ter zerado sua projeção para o PIB deste ano

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A projeção do Santander para o déficit primário no ano passou de R$ 105 bilhões para R$ 140 bilhões. A meta atual é de R$ 124 bilhões, mas uma flexibilização permitiria acomodar os gastos extras para lidar com o coronavírus, observa o Santander. Embora o banco não detalhe como isso pode ser feito, decretar calamidade pública, o que permite o descumprimento da meta, tiraria a obrigação de o governo fazer seguidos anúncios de revisão da meta, avalia o economista Maurício Oreng. “Se tiver a devida sinalização e cuidado na comunicação, de que isso é temporário, que serão gastos extraordinários para 2020, não para 2021, faz sentido”, diz. O que não seria bom é ameaçar a ancoragem das expectativas com mudanças no teto de gastos, afirma ele.

No cenário-base do Morgan Stanley, em que o PIB brasileiro foi revisto de 1,6% para 0,3%, a queda nas receitas poderá provocar deterioração marginal do resultado primário do governo e levar à revisão da meta. Se, no entanto, o teto de gastos também for revisto, a trajetória da dívida se tornaria insustentável e, nesse cenário, o PIB do país cairia 0,6%.

A LCA Consultores não alterou suas projeções, mas passou a considerar seu cenário adverso, em que o PIB do Brasil recuaria 0,4%, como mais provável (60% de chances de se concretizar).

Apesar de a contração da atividade em 2020 não ser o cenário majoritário, já existe quem tenha isso no horizonte, como a Itaú Asset Management, que trabalha com queda de 0,3%. Para a América Latina como um todo, o Credit Suisse prevê queda, de 1,5% em 2020, o pior desempenho desde 2009, quando o PIB da região caiu 2%, de acordo com o FMI. (Colaboraram Ana Conceição, Arícia Martins e Victor Rezende)