O Globo, n. 32571, 10/10/2022. Opinião, p. 2

Agenda ambiental desafiará novos congressistas



Marcado pela polarização entre a direita bolsonarista e a esquerda liderada pelo PT, o Congresso que assume em 1º de fevereiro de 2023 será acompanhado com especial atenção pelos ambientalistas. Espera-se uma relação tensa entre os dois blocos em torno de projetos-chave para o meio ambiente, já bastante castigado nos quase quatro anos do governo Bolsonaro.

A eleição para a Câmara da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP) e de seu sucessor na gestão Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP), é garantia de duros embates no plenário. Certamente será lembrado que Salles cumpriu com eficiência a determinação do Planalto para desmontar o arcabouço de fiscalização ambiental, assentado no Ibama e no ICMBio. Está aí a maior causa do crescimento recorde da devastação na Amazônia e da invasão de terras públicas e indígenas por garimpeiros. Marina, que se demitiu no segundo governo Lula por não sentir apoio para endurecer as medidas de proteção, reconciliou-se com o ex-presidente e será ardorosa defensora de seu trabalho. Seu período na pasta marca a maior queda do desmatamento na região.

Caso o ex-presidente Lula vença Bolsonaro no segundo turno, ambientalistas estão convencidos de que haverá uma corrida no Congresso para aprovar em regime de urgência projetos nocivos. Um deles foi apelidado PL da Grilagem, já aprovado na Câmara e remetido ao Senado. Originado de uma Medida Provisória assinada por Bolsonaro, visa a facilitar a regularização de propriedades em terras da União. Em outras palavras, legaliza invasões. Levantamento do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará, e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) estima que mais de 14 milhões de hectares dos 50 milhões de hectares de terras públicas na região estão registrados como propriedades particulares. Uma votação em rolo compressor no Senado poderá subtrair da União quase 30% das reservas.

Outra preocupação, além de mudanças que enfraqueçam o Código Florestal, é o projeto que regulamenta o uso de defensivos agrícolas ou pesticidas, alcunhado Lei dos Agrotóxicos. Aprovado no Senado e alterado na Câmara, ele precisa voltar aos senadores. Eles serão pressionados a reinstaurar no texto da lei o Ibama e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como órgãos fiscalizadores desses produtos, omitidos por uma barbeiragem. É o que precisa ser feito, em defesa da saúde da população.

Uma terceira proposta no radar das entidades de defesa do meio ambiente é a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, aprovada na Câmara e em tramitação no Senado. O texto derruba várias exigências para atividades sensíveis, como mineração ou exploração de atividades às margens de rios. Cria a figura da “mineração artesanal”, capaz de legalizar qualquer garimpo. A liberação de estudos e relatórios de impactos ambientais para uma série de obras, prevista no texto, precisa ser revista. Não dá para aceitar projetos como a Rodovia Manaus-Porto Velho, asfaltada sem nenhum cuidado e transformada numa ponta de lança aguda para mais desmatamento na Amazônia.