O Globo, n. 32571, 10/10/2022. Política, p. 4

Poder compactado

Bruno Góes
Natália Portinari


A partir de fevereiro de 2023, quando os parlamentares eleitos este mês tomarão posse, a Câmara dos Deputados contará com 19 representações partidárias, o menor número desde 2002. Normas como a cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais, além da concentração de força política em um número menor de siglas, estimularam esse enxugamento. Em 2018, por exemplo, a nova legislatura contabilizava 30 legendas. Como resposta imediata a esse novo retrato, as agremiações deram início a uma temporada de fusões.

Na última sexta-feira, o Solidariedade e o PROS decidiram se fundir e formar um novo partido, que manterá o nome Solidariedade. Isoladamente, os dois perderiam a verba do fundo partidário e tempo de televisão.

— Com a fusão, vamos passar a cláusula de barreira. Vamos para 2,8 milhões de votos e cumprimos a distribuição nos estados — diz Paulinho da Força, do Solidariedade.

Fusão por influência

A mais importante dessas tratativas, contudo, foi iniciada entre duas siglas robustas para aumentar o poder de influência. PP e União Brasil podem construir uma nova sigla que será a fiel da balança para a governabilidade. A junção interessa a bolsonaristas do União e caciques do PP como Ciro Nogueira (PI) e Arthur Lira (PP-AL), que pretende ser reeleito presidente da Câmara. Se a fusão avançar sem nenhuma desistência, o partido que surgiria das duas legendas teria 106 das 513 cadeiras da Câmara, retirando do PL (99 deputados) o posto de maior legenda da casa.

O levantamento do GLOBO levou em conta as três federações formadas (PT-PV-PCdoB; PSDB-Cidadania; e Rede-PSOL) como uma única representação cada. Isso porque as siglas que se agruparam pelo mecanismo funcionarão obrigatoriamente como um único corpo no Legislativo. Com a fusão de Solidariedade e PROS, serão 18 representações na Casa.

Neste ano, seis partidos conseguiram eleger deputados, mas não passaram nos critérios da cláusula de barreira: PSC, Patriota, Solidariedade, PROS, Novo e PTB. Eles não terão acesso ao fundo partidário a partir do ano que vem, nem terão tempo de propaganda na televisão. Por isso, a maioria dessas legendas também já deu início a tratativas para se unir a outras maiores.

— Nós do PTB vamos ter que fundir. É duro, mas é a realidade — diz o presidente do partido, Marcus Vinícius Neskau.

PSC e Patriota também passaram a negociar com outros partidos para sobreviver. Só um partido que não alcançou a cláusula deve continuar sozinho: o Novo.

A cláusula de barreira, aprovada em 2017, passou a exigir que cada legenda conseguisse ao menos 2% dos votos válidos, com um mínimo de 1% em nove estados. Ou que a sigla elegesse ao menos 11 deputados federais em um terço das unidades da federação.

Segundo o cientista político Jairo Nicolau (Iuperj), a eleição de 2022 marca uma nova era de “compactação”. Além das alterações das regras do jogo, que incentivaram o enxugamento do quadro partidário, houve uma concentração de forças relevantes da política em menos siglas.

Cientistas políticos também calculam o nível de fragmentação na Câmara pelo chamado “número efetivo de partidos”, que leva em conta a relevância de cada agremiação. Também a partir deste viés, a redução de representação é significativa: retornou ao patamar de 16 anos atrás.

— Essa eleição compactou o quadro partidário. De um lado, os partidos de esquerda se fundiram, ainda que provisoriamente nas federações. E, de outro, a direita bolsonarista se concentrou antes das eleições em três partidos (PP, PL e Republicanos). Houve também (a consolidação de) dois partidos grandes (de direita), que são União Brasil e PSD. — explica Jairo Nicolau.

Esquerda fragmentada

Entre as legendas de esquerda, há uma fragmentação maior e pesos diferentes. O PT ganhou mais relevância em relação aos demais do mesmo campo — a sua federação com PCdoB e PV elegeu 80 parlamentares. Já PDT e PSB elegeram, respectivamente, 17 e 14 deputados federais. No centro, MDB e a federação de PSDB-Cidadania têm 42 e 18 deputados, respectivamente.

— A eleição de 2018 foi a que teve a maior fragmentação partidária na história das eleições mundiais. Essa (eleição) já não é. Voltamos para uma democracia multipartidária, mas não extremada — completa o cientista político.

A eleição de 2022 ainda pode alterar o comportamento dos partidos de centro. É esperada uma aproximação maior de MDB e PSDB-Cidadania, por exemplo, que apoiaram a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência.

— Seria interessante se essa aliança programática, a aproximação com setores do MDB, pudesse também ocorrer no Congresso. Acho que é isso que temos que buscar — diz o presidente do Cidadania, Roberto Freire.