Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Brasil, p. A4

Governo estuda voucher e mais tarifa social
Daniel Rittner
Fabio Graner 


Preocupado com a escalada do novo coronavírus e seus impactos sobre a economia, o governo estuda novas medidas para a população que está na informalidade e que tem renda mais baixa.

Uma das medidas é a ampliação temporária dos descontos concedidos pela tarifa social de energia elétrica. Outra é a concessão de uma renda extra, uma espécie de “voucher emergencial” por alguns meses, para trabalhadores informais e pobres que devem sofrer o impacto da paralisação das atividades na economia.

Nos bastidores, a equipe econômica reconhece lacunas nos primeiros anúncios de medidas, que não atingiram os trabalhadores informais, considerados mais vulneráveis e fora da rede de proteção social. Afinal, a principal linha de combate à epidemia do coronavírus é retirar as pessoas das ruas, o que tende a afetar negócios e a renda de milhões de pessoas, como camelôs e motoristas de aplicativos.

Apesar de ter anunciado R$ 3 bilhões a mais para o Bolsa Família, na segunda-feira, esse recurso será direcionado apenas para incluir as mais de 1 milhão de famílias que estão na fila do programa, sem reforçar a renda daqueles que agora sofrerão com a perda de trabalho.

Assim, embora ainda sem formato definitivo, a equipe econômica busca a melhor maneira de colocar dinheiro na mão da população que não tem registro em carteira. “O Brasil tem muita gente na informalidade, que não tem nenhuma cobertura social. Aí está o desafio, de se buscar um voucher voltado a comida e remédio, aí pode ser que atinja o universo em termos de dois a três meses”, afirma reservadamente um interlocutor.

No caso de ampliação da tarifa social de energia, a ideia é tomar uma medida com foco na população de baixa renda e desempregados nos centros urbanos, que são os principais beneficiários do subsídio. Essa medida não teria impacto nas finanças públicas, dado que o benefício é bancado a partir das próprias tarifas cobrada dos demais consumidores do sistema elétrico - especialmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Em coordenação com o Ministério da Cidadania, autoridades da área energética já trabalham com o objetivo de calcular efeitos de um aumento dos descontos concedidos. Têm direito à tarifa social famílias inscritas no Cadastro Único ou pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Previdência Social. A assistência chega atualmente a quase 10 milhões de unidades consumidoras no país.

Hoje o desconto sobre a tarifa “cheia” de cada distribuidora de energia tem três faixas: 65% (o consumo de até 30 kilowatts-hora por mês), de 40% (31-100 kWh) e 10% (101-220 kWh). O que se cogita é manter as faixas de consumo, mas ampliando o valor do desconto em cada uma delas. Simulações começaram a ser feitas com um subsídio de 80% ou 90% na faixa inicial - e crescendo também nas seguintes.

Para valer imediatamente qualquer mudança teria que ser feita por medida provisória. Os descontos da tarifa social são bancados pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que arca com todos os subsídios do setor elétrico, com orçamento de R$ 21,9 bilhões neste ano - dos quais R$ 2,66 bilhões correspondem ao benefício como é hoje.

No caso do “voucher”, a intenção é garantir um volume de recursos para alimentação e compra de remédios para os trabalhadores informais. Nesse grupo estão beneficiários do Bolsa Família e BPC, mas também pessoas que têm uma renda um pouco maior, embora não suficiente para enfrentar uma quebra súbita em seus rendimentos mensais.

Ainda será preciso definir os valores e até o formato para concessão do programa, levando-se em consideração também questões médicas, como a recomendação para evitar aglomerações.

Esse programa emergencial de transferência de renda excluiria trabalhadores formais, que podem ter a crise amortecida por licenças das empresas ou, em casos mais extremos, por seguro-desemprego. Para driblar riscos logísticos, evitando exposição das pessoas a postos do INSS ou agências bancárias, aventa-se o desenho de algum aplicativo oficial ou até mesmo eventuais parcerias com operadoras de “maquininhas” de cartão para que os créditos possam ser usados virtualmente em supermercados e comércios locais.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já apontou nessa direção e prometeu enviar cheques de US$ 1 mil para os americanos ficarem em casa no período de crise sanitária. No fim da tarde de ontem, o presidente Jair Bolsonaro confirmou estudos para a concessão de benefício extraordinário para os trabalhadores enfrentarem a crise.

Em países como a França, já houve determinação do governo para que atrasos no pagamento de contas de luz e outros serviços públicos sejam “perdoados” pelas concessionárias, sem cobrança de multa. Por aqui, ainda não houve conversas nesse sentido.

O governo também pode reforçar as ações para empresas de menor porte, completando medidas anunciadas na segunda.