Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Brasil, p. A5

Medidas emergenciais têm cautela fiscal como marca

Fabio Graner


O governo tem mostrado cautela em adotar medidas de expansão de gastos para combater a crise gerada pela coronavírus. A primeira leva de iniciativas, anunciada na segunda-feira, deixou isso claro. Uma das motivações para esse modo de atuação parte da avaliação de que, mesmo despesas discricionárias e extraordinárias, acabam gerando uma dinâmica inercial nas contas públicas que poderiam deteriorar a dinâmica fiscal de longo prazo do país.

Mesmo assim, a despeito de seu corte liberal e da direção original do governo em reduzir o Estado, a equipe econômica admite acionar gatilhos de gastos, como os créditos extraordinários para a Saúde e outras iniciativas, como o reforço no atendimento do Bolsa Família. Além disso, estuda-se medidas mais fortes, com impactos fiscais, como a distribuição de vouchers para pessoas na informalidade, e dinheiro novo para a Saúde.

Na entrevista coletiva de anteontem, o secretário Mansueto Almeida foi enfático em dizer que a Saúde terá quanto dinheiro for necessário, embora até agora o dinheiro ali alocado também já estivesse no orçamento, não é adicional ao Orçamento.

Há uma avaliação na equipe econômica de que a crise é de expectativas e é preciso cuidar dessa dimensão com muita dedicação. Mas o time liderado por Paulo Guedes admite também devem ser olhados a oferta e demanda, dado que esses componentes da economia já estão sendo atingidos, ainda que os efeitos sejam vistos como transitórios.

“Há um choque de expectativas que gera efeitos de demanda e oferta. No curto prazo, há setores bem mais pessimistas, e isso exige alguma forma de atuação, por mais liberais que sejamos, do Estado. Mas é preciso uma intervenção inteligente”, diz uma fonte.

Esse interlocutor lembra que o teto de gastos já previa situações de catástrofe e não será preciso abrir mão desse mecanismo de controle das despesas para reagir ao coronavírus. Outra fonte completa que não pode haver dúvidas de que a Saúde terá dinheiro para enfrentar a crise. “Se precisar colocar R$ 20 bilhões lá é claro que tem que fazer”, disse.

Ainda assim, o modo de ação vai levar em conta a leitura da dinâmica inercial do gasto público, decorrente da mobilização de grupos de pressão. “É preciso evitar o que foi feito em 2008, quando se pegou o álibi da crise e começou a aumentar o gasto. Quando a crise acabou, o governo continuou crescendo a despesa”, apontou o interlocutor. “Gasto tem inércia no orçamento, mesmo quando não é exatamente”, completou, argumentando que há dose de oportunismo em alguns discursos em defesa de aumento nos gastos.

Seja como for, a equipe econômica sabe que a demanda por recursos públicos tende a aumentar e não terá como escapar de atender pelo menos parcialmente. No anúncio de ontem, o impacto fiscal das medidas foi pequeno. Basicamente pelo reforço no Bolsa Família, cujos pouco mais de R$ 3 bilhões servirão para eliminar a fila de 1 milhão de famílias criada pelo próprio governo.

Dificilmente o governo vai escapar de ter que aplicar recursos adicionais para o público desse programa social. Não foi à toa que o ministro Paulo Guedes disse que medidas serão anunciadas periodicamente. E que a equipe econômica já deixa claro que aceita mudar a meta fiscal, algo que parece cada vez mais provável de acontecer. Mas, diz outra fonte, vai agir de olho também no longo prazo e em garantir uma percepção de solvência após o fim dessa crise.