Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Brasil, p. A5

‘Regra de ouro’ terá de ser cumprida mesmo com calamidade pública

Fabio Graner


A iniciativa de decretar calamidade pública e suspender a meta de resultado primário com base no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não eximirá o governo de cumprir a “regra de ouro” das contas públicas. O dispositivo que prevê que o governo não pode se endividar para fazer gastos correntes está na Constituição. E, nesse caso, o governo depende de o Congresso aprovar um crédito para poder descumpri-lo.

Fontes do governo confirmaram que, seja qual for o cenário, não tem como escapar de pedir ao Congresso a aprovação de crédito para cumprir a “regra de ouro”. O orçamento de 2020 foi aprovado com a necessidade de se aprovar até R$ 342 bilhões de crédito, embora a necessidade, antes do coronavírus, apontasse para menos.

No último ano, o governo precisou que o Congresso aprovasse um crédito para considerar a “regra de ouro” cumprida. Sem cumprir esse mecanismo, as autoridades podem ser acionadas por crime de responsabilidade. Com a provável elevação do gasto público para combater os efeitos do coronavírus, o valor do crédito a ser pedido é mais incerto. “A ‘regra de ouro’ não tem salvação. Tem que pedir a benção ao Congresso”, disse uma fonte, apontando que a tendência na área econômica é mais de alterar a meta fiscal no futuro do que acionar estado de calamidade.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, concorda que a “regra de ouro” não é suspensa por uma eventual decretação de estado de calamidade. E ressalta que prefere a ideia de se alterar a meta fiscal a acionar o artigo 65 da LRF. “Eu prefiro a saída de alteração da meta de resultado primário e aumento, se necessário, do crédito suplementar autorizando rompimento da regra de ouro, via alteração da Lei Orçamentária”, disse. Para ele, o volume de crédito previsto no Orçamento parece superestimado.

O especialista em finanças públicas Leonardo Ribeiro aponta que uma alternativa é o governo tentar suspender a “regra de ouro”, por emenda constitucional ou por lei complementar, já que a calamidade não se aplica a esse dispositivo. Para ele, o Congresso não deve trazer problemas para qualquer dessas alternativas.

Na visão de Ribeiro, mais importante do que a questão da regra de ouro é o governo manter o teto de gastos e alterar a meta de resultado primário. Assim, poderá acionar o mecanismo de crédito extraordinário para fazer despesas na área de saúde e em outras áreas, sem perder a responsabilidade fiscal. Tanto Salto quanto Ribeiro falaram ao Valor antes de o governo pedir ao Congresso a decretação de calamidade pública.