Correio Braziliense, n. 21775, 29/10/2022. Política, p. 4

“Arrependido” por suspeitar

Raphael Felice


O ministro das Comunicações Fábio Faria admitiu, ontem, ter se “arrependido profundamente” por trazer à tona a suspeita da campanha de Jair Bolsonaro (PL) de que as inserções relacionadas à candidatura ao presidente sofreram um boicote de rádios, sobretudo no Nordeste. Na última terça-feira, ele convocou para uma coletiva, realizada em frente ao Palácio da Alvorada, quando, ao lado coordenador de comunicação da campanha, Fabio Wajngarten, afirmaram que 154 mil propagandas eleitorais tinham deixado de ser veiculadas.

“Me arrependi profundamente de ter participado daquela coletiva. Se eu soubesse que iria escalar (ou seja, que o episódio daria margem a que pedissem o adiamento do segundo turno da eleição, que se realiza amanhã), não teria entrado no assunto. Fiquei imediatamente contra tudo isso”, salientou.

Um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro, Faria reconheceu, ainda, que a falha no acompanhamento das inserções foi do próprio partido, o PL, que percebeu o problema tardiamente. A convocação da coletiva, segundo o ministro, foi uma tentativa de mediar um acordo entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — que tentaram culpar pelo problema — e o comitê do presidente. A ideia era conseguir alguma compensação da Corte pelas inserções que não foram ao ar.

“A falha era do partido, que percebeu o problema tardiamente, e não do TSE. Como havia pouco tempo para o tribunal fazer uma investigação mais aprofundada, eu iniciei um diálogo com em torno do assunto”, disse.

Em entrevista à emissora CNN, na última quinta-feira, o coordenador de comunicação da campanha do presidente, Fabio Wajngarten, também reconheceu que a culpa das inserções que não foram publicadas não era do TSE, mas, sim, da campanha que não fez um acompanhamento correto.

 

Má ideia

As declarações de Faria e Wajngarten deram aos bolsonaristas o argumento de que o segundo turno das eleições deveria ser adiado para que o problema relacionado à campanha do presidente fosse sanado. Um dos que vieram a público defender essa teoria foi o senador Lasier Martins (Podemos-RS), no que foi acompanhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e outros apoiadores do presidente. Por causa disso, segundo Faria, deu-se o recuo. Ele esclareceu que a intenção na coletiva era apenas recuperar o suposto espaço perdido nas rádios.

A ideia de adiar as eleições também foi visceralmente rejeitada pelo Centrão. Os presidentes do PL, Valdemar Costa Neto, e do PP, o ministro da Casa Civil Ciro Nogueira, reprovam qualquer tentativa de não se realizar o pleito amanhã ou a ideia de um “terceiro turno”. Segundo Faria, jogar a votação decidiva para outra data também “prejudicaria o presidente”.

A poucas horas do segundo turno, a mudança na data das eleições exigiria uma emenda constitucional, a ser proposta e aprovada no Congresso. Seria preciso que o texto contasse com a aprovação de 3/5 dos deputados (308 votos favoráveis) e o mesmo entre os senadores (49). Além disso, precisaria ser aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado.

As datas do primeiro e do segundo turno das eleições estão previstas na Constituição, no artigo 77. “A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente”, diz o texto constitucional.

Apesar do mea culpa, o ministro argumenta que o caso da exoneração do servidor do TSE Alexandre Gomes Machado, no dia seguinte à coletiva, também contribuiu para a construção da suspeita. Machado era assessor de gabinete da Secretaria-Geral da Presidência do tribuna e, após ser demitido, prestou depoimento à Polícia Federal culpando a Corte de encobrir a suposta falha na veiculação das inserções em rádios da campanha de Bolsonaro.

 

Inépcia

Além das acusações feitas por Faria e Wajngarten na coletiva de terça-feira, a campanha de Bolsonaro enviou ao TSE, na última quarta-feira, uma ação com pedido de investigação sobre as inserções que deixaram de ser veiculadas. O comitê do presidente contratou duas auditorias privadas, que apontaram irregularidades na publicação da propaganda de Bolsonaro em oito rádios da região nordeste.

No entanto, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, considerou a denúncia “inepta”, e ainda disse que a intenção da campanha do presidente era o de “tumultuar o segundo turno” às vésperas da eleição. Por causa disso, determinou investigação de suposto “cometimento de crime eleitoral”. A decisão de Moraes também diz que é ilegal o uso de verbas do fundo eleitoral para fazer auditoria.

O presidente do TSE aproveitou para esclarecer aquilo que a campanha de Bolsonaro tentou negar: fiscalizar a inserção em emissoras de rádio ou tevê não cabem ao tribunal. A ida ao ar das propagandas eleitorais é de responsabilidade dos veículos e a fiscalização deve ser feita pelos próprios partidos.