Valor Econômico, n. 4951,
03/03/2020. Brasil, p. A2
Contra danos, Brasil e
Argentina ativam ‘diplomacia parlamentar’
Daniel Rittner
A “diplomacia parlamentar” é a nova aposta do Brasil e da Argentina para evitar
retrocessos no Mercosul em meio à desarticulação entre Jair Bolsonaro e Alberto
Fernández. O presidente da Câmara dos Deputados da Argentina, Sergio
Massa, comandará nesta semana uma comitiva suprapartidária ao Brasil para
deixar claro que, se os dois chefes do Executivo ainda batem cabeça, os
Legislativos - com força crescente nos dois países - estão alinhados.
De um lado e de outro,
uma série de instrumentos importantes deverá ser votada pelos congressistas da
atual legislatura. O tratado de livre-comércio com a União Europeia, a
eliminação da cobrança de roaming no uso de telefones celulares, um acordo de
facilitação aduaneira (com trâmites mais ágeis para exportações e importações)
e um protocolo de compras governamentais (que confere tratamento nacional
nas licitações públicas) estão na lista de temas em análise.
Há dois fortes
simbolismos na agenda de Massa, amanhã, em Brasília. Primeiro: ele estará
acompanhado de Álvaro González, expoente da oposição macrista,
além de lideranças dos blocos federal (de centro) e socialista, em um sinal do
caráter suprapartidário da aproximação. Segundo: o grupo não apenas será
recebido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o que seria
mais natural pelo protocolo diplomático.
Os presidentes do
Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do Supremo
Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, vão abrir espaço em suas agendas de uma
movimentada quarta-feira na capital para reuniões com Massa. Na quinta, o
político argentino segue para o Rio de Janeiro, onde se encontrará com o chefe
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. Na pauta estão assuntos como o desenvolvimento
de projetos comuns na área de infraestrutura, integração das cadeias de valor e
uma cooperação mais estreita com o Banco de Investimento e Comércio
Exterior (BICE) da Argentina.
Maia já havia feito
movimento semelhante no início de dezembro, dias antes da posse de Fernández na
Casa Rosada, quando esteve em Buenos Aires e se reuniu com o então presidente
eleito. Ele também levou parlamentares de diferentes partidos, como
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Baleia Rossi (MDB-SP), Paulo Pimenta (PT-RS) e
Orlando Silva (PC do B-SP). Na época, Bolsonaro estava no auge das declarações
hostis contra o colega argentino, que visitou o ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva durante a campanha eleitoral.
Em fevereiro, os
chanceleres Ernesto Araújo e Felipe Solá se
encontraram no Palácio do Itamaraty e trocaram a animosidade por uma retórica
de paz. Solá ainda teve rápida conversa pessoal com
Bolsonaro, que anunciou sua reunião com Fernández no último domingo,
em Montevidéu, à margem da posse de Luis Lacalle Pou na Presidência do
Uruguai. A data, porém, coincidiu com a abertura oficial do ano legislativo na
Argentina. Fernández fez o discurso inaugural e não teve tempo hábil para
cruzar a fronteira no mesmo dia.
Massa, ex-ministro do
primeiro governo Cristina Kirchner (2007-2011), se distanciou do kirchnerismo e foi o terceiro mais votado na eleição
presidencial de 2015. Homem forte na política argentina, encabeçou a lista de
candidatos a deputado pela Província de Buenos Aires. Próximo de Fernández,
tornou-se presidente da Câmara. Não há previsão, pelo menos por ora, de um
encontro dele com Bolsonaro ou com Araújo.