Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Política, p. A7

Pauta de energia do governo deve parar no Congresso

Rodrigo Polito 


A agenda de energia do governo, que, após mais de um ano, havia enfim começado a avançar no Legislativo, está seriamente comprometida, devido ao agravamento do quadro provocado pela pandemia de coronavírus e a crise institucional aberta pelo presidente Jair

Bolsonaro com o Congresso. Nesse cenário, temas complexos como a privatização da Eletrobras, mudanças na lei de partilha de produção do pré-sal e a reforma do marco legal do setor elétrico entrarão em modo de espera e, devido às eleições municipais no segundo semestre, podem ficar para 2021.

“Vamos sentar com o presidente Davi [Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado], para ver o que dá para fazer”, afirmou o senador Marcos Rogério (DEM-RO), que tem assumido protagonismo nas discussões de temas da área energética no Senado. “Vou advogar que os temas importantes para a economia do país continuem sendo votados”.

Ele, no entanto, criticou o apoio dado por Bolsonaro a manifestações contrárias ao Congresso e ao Judiciário, como os protestos ocorridos no último domingo em vários locais do país. “Neste momento, é importante construir pontes, e não incendiar relacionamentos”, disse.

Um sinal de redução do ritmo de trabalho do Senado, devido à propagação do coronavírus foi o cancelamento da audiência com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, prevista para esta quarta-feira na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Na Câmara, a expectativa é a mesma. Segundo um deputado que participa de discussões sobre o setor de energia na casa e que pediu anonimato, a previsão é que temas do segmento não sejam analisados nas próximas semanas. “De fato, os assuntos caminharam, só que, pelo que estou vendo para as próximas duas semanas, não haverá votação nominal em plenário, só o que for consenso. E não deve haver trabalho nas comissões. Não acredito que vão analisar esses temas pelos próximos 15, 20 dias”, afirmou.

A Câmara deve receber nos próximos dias o PLS 232/2016, que prevê abertura total do mercado de energia até 2028 e aborda outros temas importantes da reforma do setor elétrico. A matéria foi aprovada no início do mês na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI) - em reunião que contou com a presença de Bento Albuquerque - e aguarda apenas o prazo regimental para interposição de recursos da casa, até 20 de março, para seguir para a Câmara.

O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Reginaldo Medeiros, demonstra otimismo com o trâmite do processo na Câmara. “Evidentemente que essas incertezas preocupam, mas o tema é prioritário para o governo e o Congresso”, afirmou. “Não vemos uma demora da tramitação na Câmara, mas não se sabe como o cenário vai se dar”, completou.

Para outro especialista do setor, que pediu anonimato, a tramitação do PLS 232 na Câmara não deverá ser algo simples e demandará muita negociação entre os deputados. “A tendência é [a tramitação] demorar. Afinal de contas estamos falando de uma reforma do setor elétrico”.

Segundo ele, a pauta de energia do governo havia começado a avançar no Congresso este ano depois que os senadores perceberam que o mercado apoiava a lista de itens do governo. “Os senadores perceberam que seria politicamente ruim para eles manter travada a pauta antes das eleições municipais”, explicou.

Para um especialista do setor, diante do quadro atual, há baixa probabilidade para a votação no Senado do projeto de repactuação do risco hidrológico, que destravaria R$ 8 bilhões no mercado de energia. A perspectiva é a mesma sobre as mudanças na lei de partilha de produção do pré-sal, em que o governo quer reduzir o poder da Petrobras nos leilões, e para a privatização da Eletrobras. “Não acredito que o projeto de privatização da Eletrobras seja aprovado”, afirmou ele, mesmo após o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter dobrado a aposta em relação à venda do controle da estatal.

A repactuação do risco hidrológico foi aprovada na última semana na CAE do Senado, mas ainda depende de ser pautada para votação no plenário.