Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Opinião, p. A12

PIB anêmico achata a renda do brasileiro



Há muitos aspectos negativos nos resultados do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, mas certamente um dos piores é sua consequência sobre a renda do brasileiro. Com a expansão do PIB limitada a 1,1% no ano passado e a população crescendo 0,8%, a renda per capita do brasileiro aumentou apenas 0,3%. Foi o pior resultado dos últimos três anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2018 e 2017, o PIB per capita teve um desempenho longe de exuberante, mas cresceu um pouco mais, 0,5% ao ano. Os três anos anteriores, marcados pela recessão em que o país mergulhou, foram bem ruins: o PIB per capita chegou a cair 4,4% em 2015 e 4,1% em 2016. Entre as perdas registradas nesses anos e a fraca recuperação que se seguiu, o brasileiro ficou 7,4% mais pobre em termos de PIB per capita.

Mais desanimador ainda é que o brasileiro levará 23 anos para recompor suas perdas se o ritmo do ano passado se mantiver. Se acelerar um pouquinho mais, como em 2017 e 2018, ainda vai precisar de nada menos que 15 anos. As hipóteses, estimadas pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), consideram que a população continuará crescendo 0,8% ao ano (Valor 5/3). Visto de outro modo, o PIB per capita de R$ 34,5 mil por brasileiro em 2019 é o mesmo valor registrado em 2013, informou a coordenadoria de Contas Nacionais do IBGE.

Na avaliação do Ibre/FGV, não existe recuperação tão lenta quanto a atual. Em outras recessões sofridas pelo país no passado, o PIB per capita estava recomposto em até 23 trimestres, ou seja, em quase seis anos. As consequências do quadro são severas não só sobre o bem-estar da população, mas também influenciam a reação da economia como um todo e o mercado de trabalho.

O quadro é consequência do desempenho da economia, que novamente decepcionou. Nos primeiros meses do ano, chegou-se a estimar crescimento de 3%. Com crescimento de 1,8%, o consumo das famílias, responsável por quase dois terços do PIB, garantiu a expansão, e só não foi pior em consequência da oferta de crédito. Já o consumo do governo encolheu 0,4% com as restrições fiscais.

Houve baixa adesão ao saque emergencial do FGTS. Estima-se que foram sacados 75% dos recursos liberados do FGTS, totalizando cerca de R$ 26 bilhões, que foram usados para compras e para liquidar dívidas. A fragilidade do mercado de trabalho também influenciou. O número de desempregados segue ao redor de 12 milhões, de acordo com o IBGE, e a informalidade é elevada, o que contém a massa salarial. Em 2017 e 2018, a massa salarial cresceu cerca de 3%; em 2019, próximo a 2,5%.

Outro componente da demanda, o investimento, ajudou pouco, com aumento de 2,2% e ficou concentrado no setor privado. Houve melhora na construção, embora o comportamento no fim do ano tenha decepcionado, enquanto a infraestrutura ainda não mostra reação. Em comparação com o crescimento de 3,9% de 2018, houve forte desaceleração.

Do lado da oferta, os serviços avançaram 1,3%, mesmo percentual da agropecuária, animada pela safra recorde de grãos e bom desempenho da pecuária. A indústria, porém, cresceu apenas 0,5%, mesmo percentual de 2018, prejudicada por uma estagnação da indústria de transformação (0,1% de crescimento) e pelo recuo de 1,1% da indústria extrativa, decorrentes do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A indústria representou apenas 11%, do PIB depois de ter atingido 17,8% em 2004.

As perspectivas de melhora da renda foram prejudicadas da mesma forma que as previsões para o PIB deste ano foram achatadas não só pelos resultados exibidos até agora como também pelo fator novo coronavírus, que abala a economia globalmente. No caso do Brasil, o próprio governo reduziu o aumento esperado para o PIB neste ano de 2,4% para 2,1%. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) espera 1,7% de crescimento para o país. Bancos estrangeiros trabalham com 1,5% a 1,6% e há quem fale em menos de 1% e até em recessão. Pesquisa Focus mostrou corte significativo na projeção em uma semana, de 1,99 para 1,68%. Nesse ritmo, não se espera muito avanço da renda do brasileiro.

Para complicar, a desigualdade ainda é grande. Cálculos do Ibre/FGV, publicados pelo Valor (17/2) mostram que, depois de crescer por 17 trimestres consecutivos, a desigualdade medida pelo índice de Gini se estabilizou no fim do ano passado, mas em patamar extremamente elevado.