O Globo, n. 32574, 13/10/2022. Brasil, p. 9

Garimpo desafia a lei

Bruno Abbud
Paula Ferrreira
Eduardo Gonçalves


Desde a “cidade flutuante” formada por centenas de balsas de garimpo no Rio Madeira, em novembro do ano passado, a paisagem da Bacia do Amazonas nunca mais se viu livre da atividade ilegal. Após inúmeras ações de combate a criminosos que se estabeleceram por ali, ontem, em pleno feriado de Nossa Senhora Aparecida, a Polícia Federal e o Ibama voltaram à região para reprimir a extração irregular de ouro. Em uma das imagens, é possível ver que pelo menos uma balsa foi incendiada pelos agentes. À noite, a PF divulgou um balanço informando que 81 embarcações tinham sido fiscalizadas ou inutilizadas durante a operação.

O mercúrio, usado em larga escala pelos garimpeiros, é uma ameaça ao bioma e à saúde humana. A ação dos criminosos em pontos diferentes do Rio Madeira, um dos principais afluentes do Rio Amazonas, pode ser flagrada com o uso de satélites. Na semana passada, a Polícia Federal recebeu alertas emitidos pelos equipamentos do sistema de monitoramento e fotos que mostravam alterações na copa da floresta tropical, denunciando a volta dos garimpeiros. Em 2021, o Greenpeace conseguiu imagens captadas por aeronaves que mostravam mais de 300 balsas instaladas na altura do município de Autazes, no Amazonas. Em grande parte delas, moravam famílias inteiras de garimpeiros que podiam, assim, acompanhar a produção clandestina de perto. Na ocasião, a Polícia Federal destruiu 131 dessas balsas. O caso teve grande repercussão internacional, aumentando a pressão para que o governo federal fiscalizasse a área.

Em setembro deste ano, a ONG já tinha constatado uma concentração de cerca de cem balsas, o que não se via desde o ano passado, na região da comunidade de Fortaleza do Bom Intento. O mesmo local em que ativistas, em julho, tinham rastreado 20 embarcações estacionadas. Um mês depois, agentes federais informaram ter usado dinamite para explodir outras 23 na calha do Rio Madeira.

No vácuo da fiscalização

Na agenda ambiental, um dos focos principais é o combate ao garimpo. A atividade ilegal vem crescendo nos últimos anos, ao mesmo tempo em que a fiscalização tem se mostrado mais frouxa. Em 2018, 2.391 máquinas ilegais de garimpo foram apreendidas na Amazônia. No ano passado, o número de apreensões caiu para 452, uma redução de 81%, de acordo com a Rede Observatório do Clima, a partir de dados do Ibama consolidados em janeiro. Em 2% das operações realizadas, houve destruição de equipamentos, segundo servidores do Ibama.

Ontem, um grupo de moradores, possivelmente ligados à atividade ilegal, protestavam e gritavam “covardia” às margens do rio, enquanto uma balsa pegava fogo. Os agentes de fiscalização alegam que, muitas vezes, há riscos para a segurança das equipes e dificuldade de apreender o maquinário e transportá-lo por estradas de terra ou até mesmo por dentro da floresta.

O enfraquecimento da fiscalização coincide com um crescimento do desmatamento. Estatísticas indicam que a Amazônia protagoniza um triste recorde: a destruição da floresta voltou a crescer este ano após ter sido registrado um desmate de 13.245Km² em 2021, a taxa mais alta em 15 anos de monitoramento. O primeiro semestre de 2022 já teve 10,6% mais desmate do que o mesmo período do ano passado. Especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que usam o sistema Prodes de monitoramento, esperam um novo recorde de destruição até o fim do ano. No governo de Jair Bolsonaro, as taxas de desmatamento tiveram três altas consecutivas. A Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente chegou a anunciar que acionaria o governo na Justiça por críticas do presidente da República à destruição do maquinário ilegal apreendido.

Investigação em curso

No início de setembro deste ano, durante a chamada “temporada do fogo” na Amazônia, o Ibama havia executado apenas 37% do orçamento reservado para ações de monitoramento, prevenção e controle de incêndios.

Ex-presidente do Ibama, entre 2016 e 2018, Suely Araújo afirma que a exploração da área por garimpeiros ilegais tem aumentado significativamente. Ela defende as ações de repressão à atividade na ponta, mas argumenta que tais medidas não são suficientes.

— As balsas de garimpo irregular no Rio Madeira são um problema que existe há vários anos. As operações de fiscalização são importantes, sem dúvida, mas precisam vir acompanhadas de uma decisão governamental de eliminar os ilícitos ambientais na região — afirma Suely Araújo.

Ainda em setembro, a PF cumpriu 43 mandados de busca e apreensão e 18 de prisão temporária e preventiva em Rondônia, Amazonas, Acre, Pará, Mato Grosso e São Paulo para desarticular uma quadrilha de garimpo.