Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Internacional, p. A10

Países restringem a exportação de material médico

Assis Moreira


Nada menos de 50 países já proibiram ou limitaram exportações de equipamentos médicos, como máscaras, luvas e respiradores, além de medicamentos e substâncias para fabricação de remédios, à medida que o pânico se alastra com o coronavírus.

A proliferação de medidas para manter material médico nos mercados de produção é mostrada pelo Global Trade Alert (GTA), mecanismo que monitora o desenvolvimento de políticas comerciais.

O número de 24 países com restrições dobrou desde a semana passada, seguindo o aumento de casos do vírus na Europa e nos EUA. Em vez da solidariedade conclamada em discursos oficiais, o que acontece é o “beggar-thy-neighbour” (empobrecer o vizinho) que agora significa “sicken-thy-neighbour” (adoecer o vizinho), nota o GTA.

A Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês), aponta “crescente risco de ações unilaterais que podem minar as necessárias respostas globais para uma ameaça que sabemos que não tem fronteiras”.

Para Simon Evenett, professor de comércio internacional da Universidade de St. Gallen, na Suíça e diretor do GTA, “o que vemos é uma desesperada corrida por suprimentos médicos. Ao mesmo tempo, quanto mais o vírus avança, há mais restrições”.

Na corrida por equipamentos médicos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem alertado que os suprimentos de respiradores (que ajudam pacientes internados a respirar nas UTIs) e máscaras médicas não atenderão à demanda.

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia (UE), teve que reagir à imposição de barreiras de controle dentro do mercado comum europeu. Conclamou os países membros a tomar medidas excepcionais para proteger a população, mas também garantir que os bens e serviços essenciais continuem a ter livre circulação no mercado interno.

As empresas alemãs, por exemplo, precisam de aprovação do governo para exportar respiradores mesmo dentro da UE. A Coreia do Sul proibiu a exportação de máscaras e de materiais usados na fabricação de respiradores.

O Brasil também planejava seguir essa linha, proibindo a exportação de respiradores, mas ao mesmo tempo reduzindo a tarifas de importação de produtos para UTI.

Para Evenett, existe um desalinhamento entre comércio exterior e respostas de saúde pública na luta contra o coronavírus.

“A questão é por que os países não aumentaram a produção de equipamentos médicos”, diz. “E, pior, agora dizem aos produtores que não podem exportar, o que lhes fará perder mercados. ”

Para Evenett, os governos deveriam estimular a produção de máscaras, luvas e equipamentos e garantir preço mínimo às fábricas por seis meses. Assim, expandem a produção, podem atender o mercado interno e exportar.

A incoerência nas políticas comerciais é ilustrada com 141 dos 164 países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) impondo taxas até na importação de sabão.

A política comercial dos EUA é vista como “particularmente perversa” agora em tempos de vírus, nota Evenett. Na guerra contra a China, Donald Trump elevou tarifas sobre um bom número de equipamentos médicos vendidos pelos chineses. O resultado foi escassez e custos mais altos de produtos vitais nos EUA, enquanto Pequim teve de desviar a exportação para outros mercados.

Agora a Casa Branca descobriu que a China é um dos maiores supridores de equipamentos que o país necessita para combater a covid-19. Os EUA baixaram as alíquotas sobre vários produtos médicos chineses. Mas a retomada da importação não será rápida.

Chad Bown, do Peterson Institute for Internacional Economics, em Washington, escreve que esse é um exemplo das consequências ruins da desorientada guerra deflagrada por Trump, que acaba afetando a luta contra a covid-19.

A Câmara de Comércio Internacional enviou carta aos líderes do G-20, pedindo que as maiores economias do mundo evitem proibição ou limitar as exportações de produtos médicos ou revertam essas restrições. Também sugere medidas para reduzir os custos de equipamentos médicos, como baixar as alíquotas de importação.