O Globo, n. 32575, 14/10/2022. Opinião, p. 2
Queda na vacinação é inaceitável
É desolador o panorama da vacinação infantil no país traçado pela Confederação Nacional dos Municípios. Como mostrou o Jornal Nacional, 70% das cidades brasileiras não atingiram as metas de imunização para as crianças em 2021. Uma lástima. O problema não está apenas em não alcançar os índices de proteção recomendados. A cobertura vacinal vem caindo ano a ano sem que nenhuma esfera de governo apresente soluções eficazes, além das óbvias campanhas de vacinação, para elevar os percentuais.
Os números traduzem a gravidade da situação. No caso da vacina BCG (proteção contra a tuberculose), 68% dos municípios tinham atingido a meta em 2007. No ano passado, apenas 22%. Na pentavalente (contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenzae tipo b), o percentual despencou de 62,8% em 2013 para 27,1% em 2021. Na hepatite B, de 26% em 2014 para 10,8%.
A vacina contra a poliomielite é um caso à parte. A campanha de vacinação contra a doença acabou em 30 de setembro sem que o país atingisse a meta de 95%. Pelos dados do Ministério da Saúde, a cobertura está em 63%. Vários estados decidiram prorrogar a campanha. A baixa cobertura tem causado preocupação. Embora o último caso no Brasil tenha sido registrado em 1989, a vulnerabilidade abre as portas ao retorno da pólio. Seria uma tragédia e um atestado de incompetência dos três níveis de governo. No início do mês, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu que o país está na zona de alto risco para reintrodução da pólio.
É lamentável que o Brasil, cujo Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi referência mundial, esteja nessa situação. Até onde se sabe, salvo exceções pontuais, não faltam vacinas. Em alguns lugares até sobram, e parte vai para o lixo devido à perda dos prazos de validade. Um absurdo.
Muitas razões levam as vacinas a encalhar. Não se podem desprezar os efeitos nefastos das campanhas antivacina, onda mundial que no Brasil tem como protagonista o presidente da República, Jair Bolsonaro. Mas a afronta à ciência é apenas parte do problema. Como acontece noutros países, longos períodos sem registro de casos de doenças evitáveis transmitem à população a falsa sensação de que não há mais risco. Engano. O risco ressurge com a baixa proteção. Há que considerar também a falta de campanhas de esclarecimento sobre a importância da vacinação. E as falhas estruturais, como má localização dos postos e horários inadequados que dificultam um serviço que deveria ser fácil e acessível.
Impressiona também a leniência do Ministério da Saúde. Faz quase um mês que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina da Pfizer contra a Covid-19 para crianças de 6 meses a 4 anos. Mas até agora o governo não comprou as doses.
O Ministério da Saúde, a quem cabe o papel de coordenação, deveria divulgar e incentivar iniciativas bem-sucedidas de estados e municípios. Há prefeituras que criaram “vacinômetros” móveis para levar as doses a comunidades mais distantes. Outras vão às escolas para imunizar as crianças. A caderneta de vacinação atualizada deveria ser obrigatória para beneficiários dos programas sociais dos governos. Soluções para ampliar os índices indigentes de vacinação não faltam. O que falta é responsabilidade dos governantes que expõem o país ao risco de ressuscitar até doenças erradicadas no passado.